28 de agosto | 2017

Hexamedalhista olimpiense vira professora da OBMEP

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Aos oito anos, a filha do bombeiro militar Genésio Beloni já sabia o que queria ser na vida: professora. Mas não fazia parte dos planos dela esperar até virar adulta. Por isso, o pai tratou logo de passar uma demão de tinta preta fosca em uma parede da garagem e comprou uma caixa de giz. Era o suficiente pa­ra a menina, que arregi­mentou vizinhos e colegas de escola e formou a sua primeira turma de alunos.

A brincadeira de criança se transformou em profissão. Aos 19 anos, Eliani Be­loni (foto) dá aula no Programa de Iniciação Científica (PIC Jr) da OB­ME­P, está no segundo ano do bacharelado com ênfase em Matemática Pura na Unesp e vis­lumbra um futuro na área. “Meu gosto pela matemática vem desde pequena, quando tinha o sonho de ser professora. E ficou mais forte quando comecei a participar da OB­ME­P”, recorda a jovem, que nasceu e mora em Olímpia (SP) com os pais, Genésio e Valdelice, e o irmão Ilis, dois anos mais novo.

A primeira participação na OBMEP foi em 2009, aos 11 anos. Naquele ano, ingressara na Escola Estadual Professora Alzira To­nelli Zaccarelli e lá permaneceu até concluir o Ensino Fundamental. Acertou 17 das 20 questões e passou à segunda fase da com­petição. Como, em casa, não tinha acesso à internet, ia à escola com frequência consultar o Banco de Questões da OBMEP. O esforço foi recompensado.

“Recebi uma ligação da minha professora de Matemática, Renata, dizendo que fora premiada com a medalha de bronze. Até então não imaginava a importância que a OBMEP teria em minha vida e tudo que ela me propiciaria”, relata Eli­a­ni, que, por ter sido me­dalhista, garantiu uma vaga no Programa de Iniciação Científica (PIC Jr).

A novidade deixou a família empolgada. Mas participar dos encontros pre­senciais, realizados na U­nesp, em São José do Rio Preto, exigia uma adaptação na rotina de todos.  E como Eliani fora a única estudante de Olímpia a ganhar medalha naquele a­no, nem dava para dividir responsabilidades com o­utros pais. Quando era dia de encontro do PIC, Gené­sio dedicava o dia à filha. Gastava cerca de duas horas para vencer o trajeto de ida e volta e, por conta da distância, ficava lá mesmo, na universidade, a­guar­dando o fim da aula.

A experiência do PIC Jr, descreve Eliani, foi “incrível”. Estava cercada por pessoas que, assim como ela, tinham predileção por matemática e pôde se a­profundar nos estudos da área. Mas precisou se esforçar muito para acompanhar o ritmo dos ensi­na­mentos. “Quando chegue­i, vi que não tinha muito do­mínio da parte teórica. Fiquei preocupada, mas meus pais, que possuem apenas o Ensino Médio, disseram que estavam ali para me apoiar no que eu precisasse e que, naquele momento, dependia de mim seguir adiante”.

Eliani topou o desafio. Além dos encontros pre­senciais, realizava todas as atividades propostas. A de­dicação possibilitou novas conquistas. Em 2011, quando o Fórum da OBM­EP recebeu o nome de Hotel de Hilbert, ela foi um dos 300 estudantes do PIC selecionados em todo o Brasil para participar do evento, como prêmio pelo ótimo desempenho no programa. Foi a primeira vez que Eliani entrou num avião. Saiu de São Paulo e foi para Nova Friburgo, região serrana do Estado do Rio de Janeiro, onde passou seis dias numa imersão matemática.

PIONEIRISMO 

O Hotel de Hilbert acabou por deixá-la ainda mais motivada. No ano seguinte, decidiu reviver a brincadeira de criança, mas com aulas para valer. Ela reuniu o irmão Ilis, o primo Guilherme e a prima Poliani. E estudava com eles usando apostilas do PIC, os Bancos de Ques­tões e as provas de anos anteriores.  Os resultados foram muito positivos, e “a professora Eliani” foi aprovada com louvor. Além de ter conquistado a sua primeira medalha de ouro na OBMEP, o irmão e o primo ganharam bronze. A prima recebeu uma menção honrosa. “Ficamos muito alegres. Fomos os únicos medalhistas da escola e também da cidade”, conta.

Eliani nem sequer imaginava que, de certa forma, fizera algo que, no ano seguinte, seria replicado ins­titucionalmente pela OB­MEP: os Clubes de Matemática. Doutora em Matemática pela Unicamp e u­ma das coordenadoras regionais da OBMEP em São Paulo, Aparecida Francisco da Silva recorda do pi­oneirismo daquela estudante franzina cheia de entusiasmo: “A gente olha para Eliani e nem imagina o tanto de energia que ela guarda dentro de si. E tem muita iniciativa. É impressionante”.

Professora de Eliani no 9ºano do Ensino Fundamental, Flávia Mialich tem a mesma opinião e usa as palavras “dedicada” e “estudiosa” para qualificá-la. “Quando a conheci, ela já se destacava na OBMEP. Sempre trazia questões pa­ra discutirmos nas aulas e era capaz de transpor e implementar as situações de aprendizagem propostas”, revela, contando que, na mesma época, deu aulas para Valdelice, mãe de Eliani, aluna da Educação de Jovens e Adultos (EJA).  “Era notável o incentivo da família em relação à vivência escolar da filha.”

INCENTIVO

Quando fala sobre o a­poio recebido ao longo de sua trajetória estudantil, Eliani, imediatamente, cita os pais e, logo depois, professores de Matemática e Silvia da Matta, coordenada da Alzira Tonelli Zaccarelli, com quem sempre mantém contato.

“Por serem de família nu­merosa, meus pais trabalhavam desde pequenos para ajudar em casa. Eles não tiveram a mesma o­portunidade que tive para estudar. Foram eles o principal motivo de eu chegar aonde cheguei. Tanto pela história de vida, de esforço e dedicação como pelo incentivo que sempre deram a mim e ao meu irmão”, conta a universitária.

Sobre a vida estudantil, Eliani tem na ponta da língua a sua participação na OBMEP e nas atividades dela decorrentes. Além de seis edições do PIC (2010 até 2015), conquistou u­ma menção honrosa, duas medalhas de bronze, três de prata e uma de ouro e foi para quatro encontros do Hotel de Hilbert. Um deles, em 2014, em Flo­rianópolis, com o irmão Ilis, que agora cursa o 3º ano do Ensino Médio na ETEC de Olímpia, onde ela também fez seus estudos secundários.

Aluna do PICME (Programa de Iniciação Científica e Mestrado), Eliani dá aula no PIC em São José Rio Preto para alunos me­dalhistas e participa do PE­T (Programa de Educação Tutorial) Matemática. No ano passado, também foi professora do programa OBMEP na Escola, em Olímpia. É a realização do sonho de infância.

“Está sendo muito pra­zeroso. Além de ensinar e ajudar os alunos, estou sempre aprendendo coisas novas”, diz, avaliando que o papel do professor é também incentivar os estudantes, por meio de e­xemplos práticos ou de competições como a OB­MEP. “Mas isso não é suficiente. O aluno deve mostrar interesse e dedicação. Estudar matemática vai além da sala de aula. O esforço individual é muito importante”, conclui Eli­ani, ela mesma uma prova disso.

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