23 de julho | 2017

Nós x Eles

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Ivo de Souza

É lastimável o nível em que chegou a polarização política no país. Desceu ao patamar do desrespeito e da ignorância, da completa falta de consideração pelo outro (por causa de um ou de outro político ou partido). E o baixo nível, a deselegância e a descortesia chegaram, rapidamente, às chamadas redes sociais, ou melhor, às rede de intrigas, fofocas, calúnia e difamação. E prevalece, na maioria das vezes, o anonimato covarde, desavergonhado. Um retrocesso humano!

Outras vezes, os “polarizados” têm nome e sobrenome; alguns, apenas apelido.

É a falta total, a ausência do que se convencionou chamar-se de civilidade, tolerância e respeito ao diferente (“Narciso acha feio o que não é espelho”). Política não é guerra.

No Brasil de nossos dias, a polarização, ou melhor, a radicalização política, depois do impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff ganhou corpo e encarnou-se no lulismo versus golpismo: a turma do Lula “contra” a “turma do golpe”, como denominaram os petistas a queda de d. Dilma Rousseff.

Alguns, por conta de uma ingenuidade sem limites (ou de uma má fé rancorosa), acreditaram (pós-mensalão) que só havia na face da Terra a “corja” do PT. Descobriram (?) envergonhados, estupefatos, perplexos (surpresos?) que havia outras “corjas”, em quase todos os partidos os tais políticos corruptos (alias uma enxurrada deles,  muitos deveriam ser extintos para sempre: são fisiológicos, não têm programa de governo, não têm ideologia, são oportunistas e só visam ao dinheiro público (há raríssimas exceções, ainda…).

A classe política perdeu totalmente a credibili­dade. Os jovens fogem da política e dos políticos co­mo foge o diabo da cruz. Não querem nem ouvir falar em política, certamente porque só ouvem falar da politicalha e dos politiqueiros. Não têm referência no setor e muito menos políticos que os inspirem. Dizem: “É tudo igual, só tem ladrão (palavra forte que não cabe a todos os políticos, mas é o que pensam os jovens, em geral), não fazem nada” (vejam aonde chegamos, e eu pergunto: A culpa é de quem? Dos jovens ou dos velhos políticos, cul­tua­dores da velha política (“do toma-lá-da-cá”), da barganha, da corrupção passiva e ativa, do propi­nato, quase um novo e desavergonhado partido que cresce feito erva daninha (venenosa!) no pais inteiro.

E o novo, moçada inteligente do meu país, onde está o novo (Doria e Huck não contam, certo?)? E não falo em novo e velho cronologicamente. Falo de um modo novo, moderno de governar.

A terrível e contagiosa polarização tomou novo rumo, nova direção, está centralizada no binômio Lula e os outros. Infelizmente. A polarização, sob todos os pontos de vista, é nociva para o país, para a formação de nossas crianças, que só têm visto prevalecer a má política, para o desenvolvimento intelectual de nossos jovens, que andam desiludidos com os rumos do Brasil, governado, ou melhor, desgovernado por péssimos políticos inescrupulosos.

P.S.:1 Outro dia, o cantor Lobão foi entrevistado em um programa de rádio (desses que buscam o moço pra falar a fim de aproveitar as polêmicas que ele fomenta). Assim, conseguem alguma audiência a mais. É uma forma de reforçar a divisão entre os dois polos. Isso é altamente negativo.

P.S.:2 A tevê brasileira não foge à regra (salvo raras exceções), produz programas de baixíssimo nível, são apelativos, apresentam casos grotestos, muitas vezes, as cenas têm cara de pura armação. Os filmes e os desenhos animados são altamente violentos e, nas tais redes sociais, vê-se de tudo e mais um pouco. Só uma per­guntinha, pois perguntar não ofende: Como estão as famílias diante do caos em que estão vivendo seus filhos (crianças e adolescentes). Não é fácil para os pais, muitos desprepa­rados para enfrentar uma realidade tão “irada”, violenta, repleta de falsos valores e péssimos exemplos. E que exemplos, senhores! Nas transmissões, ao vivo, são frequentes debates ou pronunciamentos que enfatizam a desunião em que o país se encontra. Tais falatórios não contribuem em nada para o aperfeiçoamento das coordenadas democráticas. Apenas incitam a cizânia e o ódio entre “os de cá” e “os de lá” – como se dizia nos embates políticos d’antanho. Somos muito modernos (?!)…

Voltando ao cantor Lo­bão. Contra Lula e contra o PT, desceu a lenha nos colegas de profissão, (salvaram-se pouquíssimos). Só não falou dos políticos, principalmente dos desonestos, dos corruptos, dos que obstruem a Justiça (ou, pelo menos, tentam fazê-lo).

Desancou Caetano Ve­loso, Gilberto Gil e Chico Buarque – não por conta da arte de primeira desses artistas, mas porque têm uma posição política diferente da que ele (Lobão) gostaria que todos tivessem.

Sr., em tempo de polarização e radicalização absolutas, é preciso não confundir alhos com bugalhos. É preciso separar a obra produzida pelo artista ( o verdadeiro!) do homem que a produziu. Toda palavra, nessa hora de caos político, deve ser emitida com cautela e responsabilidade.

Concordo plenamente, com o ator Selton Mello, quando diz que a sua obra e mais interessante do que ele (“Minha obra é mais interessante do que eu.”). Assim como a obra de Drummond é muito mais interessante do que ele (muitos outros exemplos caberiam aqui).

E o sr. Lobão? Seria mais interessante do que sua obra? Falou o programa todo (foi duro de aguentar), e não tocaram nem uma música sua – o moço aproveitou e criticou até Marisa Monte, sem dúvida uma grande cantora (volta a questão: a  obra de Marisa é mais interessante do que ela, apesar de Marisa ser uma mulher culta e educada.

Bom-dia, Lobão, intolerância não!

E mais: sua postura crítica e deselegante a quem ousa não pensar como ele não serve para melhorar, depurar o debate político. Tem apenas alguns resultados (todos negativos, aliás): acirrar os ânimos de uns contra outros, valorizar a intolerância como forma violenta de ver o outro e jogar pedras nos que ousam pensar diferente. É hora de união, não de separação.

Bom-dia, Lobão! Juízo e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. E viva o pensamento livre, seja ele qual for (menos as ideias de intolerância e ataques verbais furiosos aos que não comungam de nossos ideais e de nossas ideias). Bom-dia, meus preclaros leitores. E como dizia Millôr: Livre pensar é só pensar. E estamos conversados.

Beleza

P.S.:3 No dia 21 de agosto, na Casa de Cultura, a partir das 20 horas, a abertura da mostra fotográfica “As Flores do Jardim de Minha Casa”, idealizada por mim em parceria com o Studio Fotográfico “Pingo de Gente”. Espero vocês, meus caríssimos, lá. As fotos estão muito bonitas. As plantas e flores são do meu jardim. Uma belezura só!

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nis­ta, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

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