15 de março | 2015

Um país em chamas?

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Do Conselho Editorial

É maravilhoso notar que pela primeira vez em sua história o Brasil tem oposição e situação nas ruas defendendo suas bandeiras.

Mesmo que se discorde desta ou daquela posição tida como radical para os padrões da nossa sociedade, é louvável perceber que desde seu nascedouro até agora as vozes discordantes e concordantes, divergentes e convergentes buscam se fazer ouvir em seus anseios pelo planalto.

Os que se debruçam sobre a história recente ou passada dirão que não é bem assim, que já houve outros movimentos de massa; relembrarão possivelmente o período anterior a deposição de João Goulart, ou outros distantes, no entanto o que se pretende passar é que nunca antes as manifestações atingiram a ideia de confronto entre dois posicionamentos como agora e nunca a sociedade pareceu tão dividida ou disposta a defender suas posições favoráveis ou antagônicas.

Depois de hoje, que os movimentos sociais saíram em defesa da Petrobrás e contrários a mudanças trabalhistas pretendidas pelo governo, se a oposição não mostrar no domingo a que veio, possivelmente o ímpeto e a radicalização de seus membros diminuirá, por detectar que só dinheiro e mídia favorável não organizam movimentos.

É preciso mais; é preciso pisar no chão da fábrica, correr o eito, suar no deserto das desilusões para compreender a eficácia do emprego pleno, da casa conseguida, do bolsa família, luz para todos e outros projetos que não há como não reconhecer, foram inovadores na sociedade brasileira.

Se ganhar força no domingo a manifestação dos que pretendem o impeachment e o sangramento do atual governo é natural que os empresários que já se mobilizaram em 1964 e agora fecharam estradas com seus caminhões em triste memória a movimentos anteriores a queda do governo Pinochet e morte deste líder da América Latina, é possível que se instrumentalizem para obter o que obtiveram em 64.

Vale notar, a título de ilustração, que a maioria dos políticos que endossaram o golpe de 64 foram duramente perseguidos pelos gorilas que apoiaram e o regime que se instalou não permitiria, como outros anteriores, que as manifestações fossem toleradas pelo poder central.

Basta para isto observar a reação do governo do Estado de São Paulo e de outros estados comandados pelo autoritarismo e pela truculência quando ocorrem manifestações que geralmente acabam com feridos e prisões.

As manifestações da sexta-feira, em que pese as ameaças de grupos fascistas que lutam pelo impeachment do presidente constitucionalmente eleito até enquanto se escrevia este editorial, pela envergadura das manifestações pelo país afora, transcorreu em clima de tranqüilidade.

Que o que ocorrerá no dia 15 de março, exatamente a data em que os presidentes militares do autoritarismo e da falta de liberdade de expressão assumiam seus governos, ocorra em clima de plena tranquilidade, pois democracia é exatamente poder manifestar seu descontentamento, tentar dar direção diversa daquela que se entende não funciona como deveria.

É também respeitar os institutos impostos pela lei que pregam a ordem e a disciplina donde se desprega que o suporte a violência e intolerância é muito frágil, tendo que se aplicar o que está esculpido nas normas quando há afronta direta e inconcebível ao preceituado no Estado democrático de Direito através da Constituição e dos vários códigos que tratam do tema.

Deve se aplicar a lei independente de lado ou cor partidária, pode se pedir impeachment ou ser contra o pedido desde que respeitado os limites impostos pela lei.

Deve se ir a rua de maneira ordeira e pacífica deixando seu recado carregado de simbolismos e de intenções que deverão convencer os indecisos se esta ou aquela proposta é mais próxima da realidade que vivemos, ou se será ela que resolverá as diferenças que levaram a população às ruas.

Naturalmente, que os que pedem ditadura estão totalmente divorciados da realidade presente, não há clima político, ideológico, partidário ou sequer comprovação efetiva da ocupante do cargo de presidente nos últimos acontecimentos.

E neste aspecto os partidos de oposição perderam mais uma vez o bonde da história, tendo sua história relacionada e a de muitos membros de sua elite ligados diretamente a luta pela democracia no Brasil e a luta contra a ditadura, não conseguiu emplacar sua bandeira e está refém da bandeira de reacionários.

Grupos de extrema direita, fascistas e nazistas conseguiram impor a bandeira a favor da ditadura que tenta a todo custo se desvincular desta pecha, mas, pelo oportunismo do desgaste do PT vai vendo colar à sua história este retrocesso que ajudou a combater.

Domingo, dia em que assumiria o poder mais um general da ditadura militar, se ainda fosse ditadura, ao contrário daqueles tempos negros, a sociedade verá a manifestação que parece cruzamento de jararaca com o rinoceronte das obras do Ionesco saindo às ruas, de um lado pedindo ditadura, do outro impeachment, ou democracia, fora o comunismo, ou ditadura democrática.

Sim, um samba do Crioulo Doido estará nas ruas mostrando a beleza da democracia plena que tem por obrigação e princípio respeitar estas manifestações e abrigá-las no seu seio por mais paradoxais, antagônicas, incoerentes, desde que dentro do espírito que um estado republicano deve exigir.

 

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