08 de junho | 2014

“Manda um e-mail!”

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Ivo de Souza

Denise Fraga, atriz e escritora talentosa, escreveu um texto que retrata, com precisão, um recorte interessante da realidade atual: a questão da fala e da escrita na nossa vida cotidiana.

Com as redes sociais, as pessoas passaram a enviar mensagens de tudo quanto é tipo e sobre tudo. Difícil tornou-se a comunicação oral. Um simples e corriqueiro telefonema para um amigo tem de ser agendado. As mensagens escritas, porém, chovem na telinha dos computadores (quase todas escritas no “estilo curto”, coalhadas de abreviaturas).

Dedos cada vez mais ágeis (anônimos, inconsequentes) nas teclas dos micros, e as línguas cada vez  mais presas, como se estivéssemos desaprendido a articulação das palavras e estivéssemos cada vez mais letrados.

Já ouvi de uma pessoa, algo que a deixou boquiaberta, sem reação. Depois de mais de meia hora, falando das vantagens e mais vantagens de seu produto, o intercolutor, impávido, olhou fixamente para o vendedor e lascou essa: Você não pode mandar tudo isso por um e-mail? O vendedor, desolado, chocado, despediu-se do pretenso comprador. E nunca mais lá voltou. E nem mandou o e-mail. Ou melhor, enviou, sim, um e-mail. Mas nunca obteve qualquer resposta da mensagem.

Fraga fala em preguiça verbal, com o que concordo plenamente. É bem mais confortável ficarmos inertes, acomodados em nosso mundinho virtual, e mandarmos o tal do e-mail.

Muito breve, ouviremos o vendedor de uma loja (de roupas, calçados, perfumes), após ouvir a nossa pergunta sobre um determinado produto, resoluto, dizem ao telefone: Mande tudo isso por um e-mail. E há quem o faça.

Vão as pessoas, dia após dia, perdendo a capacidade de conversar com as pessoas. Cada vez mais on line, esquecem-se do off line. Preferem “viver” conectadas a uma máquina, em vez de se conectarem com o planeta, com a vida real. E se sentem extremamente felizes vivendo dessa forma. Então que assim seja…

Um dia, quem sabe?, arrepender-se-ão do tempo, que deixaram fugir, de uma boa conversa, de alguns minutos que não reservaram para ver um belo nascimento do sol ou um belo ocaso do astro-rei, do tempo que dedicaram aos e-mails e não viram a rosa nascer no jardim, os pássaros cantando em uma árvore de seu próprio quintal, enfim, não viram as coisas essenciais da vida.

Muitos sairão em busca do tempo perdido (que jamais será recuperado); outros procurarão saídas, fugas e a volta à vida que poderia ter sido e não foi… Certamente será tarde demais. O que fazer, então?

O pior de tudo é que essas pessoas não percebem o quanto são reféns da vida virtualizada (estou aqui falando em atitudes exageradas, sem controle, angustiantes). Já perceberam, leitores, como há pessoas que mexem o tempo todo no celular, ainda que estejam em grupo numa mesa de restaurante, rodeando uma deliciosa e fumegante pizza, na sala de espera de um consultório médico ou odontológico, enfim, onde quer que estejam? E tem mais: as pessoas do grupo não conversam, não dialogam entre si, apenas com os celulares. É bem mais cômodo enviar uma mensagem escrita. Estaria a comunicação verbal chegando ao fim de seus dias de glória? Certamente que não, mas que algumas coisas andam esquisitas, nesse contexto, não tenhamos dúvidas a respeito.

Quando for iniciar uma conversa com alguém, é bom certificar-se de que o seu interlocutor não é dos que, ao você abrir a boca, ouça, atentamente, o que você diz e, em seguida, interrompendo o quase possível diálogo, resoluto, lasque a pérola “Você não pode mandar isso por e-mail?” Aí é que a coisa vai ficar mesmo difícil. E a conversa termina por aí mesmo. Na verdade o diálogo falado vai ficando em segundo plano. Cada vez mais pessoas, na chamada aldeia global, preferem a comunicação por meio de mensagens escritas, do frio e impessoal e-mail. “E La nave va”… Exatamente para onde ninguém sabe…

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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