12 de agosto | 2018

 Noblesse Oblige

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“A classe operária vai ao paraíso,

Por mim tudo bem, mas por que logo agora?”

(Bolo de Ameixa – Mundo Livre S/A)

João Victor Moré Ramos

Nos tempos áureos em que as ciências naturais e sociais se combinavam, o Brasil pode trilhar um desenvolvimento digno de grandeza comparável com as grandes economias do Japão e da ex União Soviética. Conforme nos ensina o economista Ignácio Rangel, o Brasil de 1930 a 1980 desfrutou de um dinamismo em que a indústria nacional cresceu vertiginosamente 27 vezes com a chamada substituição de importações. Interrompido os ciclos do desenvolvimento nacional, sofremos uma apostasia com os governos entreguistas de Collor e FHC na década de 90 cujas privatizações, que o próprio Rangel foi um ilustre defensor desde a década de 80 – e veja que para o economista, era preciso privatizar a expansão das estatais nos serviços de utilidade pública, e não as estatais altamente capitalizadas com profunda ociosidade decorrente da falta de encomendas, como foi o caso da Material Ferroviário S/A (MAFERSA) vendida para a francesa Alstom – aquela dos escândalos de compras superfaturadas de trens para o metrô de São Paulo. Felizmente, no inicio dos anos 2000, a chegada dos trabalhadores e industriais unidos em um pacto de poder, com Lula e José de Alencar alavancando novamente a ideia de PROJETO NACIONAL, pode-se notar a abertura de um novo ciclo juglariano brasileiro, ou ciclos médios como se diz no economês.

Esse ciclo de desenvolvimento endógeno, voltado para o mercado interno, reflete-se brutalmente nos números da indústria naval, alavancada pelas encomendas de conteúdo nacional. De modo geral, a indústria que possuía cerca de 1000 trabalhadores no setor em 2001, em menos de uma década chegou a atingir quase 70.000 trabalhadores empregados com carteira assinada. Bastar observar a cidade do Rio Grande, no estado do Rio Grande do Sul nessa primeira década para perceber o dinamismo econômico em plena expansão gerado por esse pólo de desenvolvimento, e hoje com a estagnação e o abandono do projeto, os elevados índices de violência e aumento da desigualdade social.

Todavia, mesmo a retomada de alguns setores industriais da economia, é preciso dizer lembrar que nos governos do PT os setores agrícolas foram os maiores beneficiários das políticas econômicas, com inúmeras linhas de crédito subsidiado, além de grandes desonerações na folha de pagamentos. É verdade que não se deve esquecer que grande parte do boom agrícola brasileiro, sobretudo a soja vendida para os chineses, que continuam crescendo há décadas acima da média mundial, contribuíram para assegurar quase que um mercado cativo de commodities que lembram muito, mas com maior complexidade hoje, a produção do café exportado, sobretudo para a Europa no primeiro quartel do século XX.

Além disso, vale lembrar que as políticas sociais desse mesmo governo permitiram que as classes subalternas tivessem novamente um lapso de esperança na vida, com os programas de casa própria, bolsa família, educação superior publica e gratuita, investimentos em ciência e tecnologia com a construção de inúmeros institutos federais, programas como FIES que permitiram a juventude pobre ter um lugar ao sol ao lado das classes mais abastadas. Chama atenção que mesmo sobre muitas criticas de variados ângulos e lados, esses programas sociais foram copiados pelos chamados países do centro do sistema, numa completa inversão de valores, sem que o próprio brasileiro terceiro-mundista imaginasse que também poderia ditar os passos e dar a direção dos ventos pelo mundo afora.  

Por outro lado, a correlação de forças internas após a crise mundial de 2008 no Brasil teve seus reflexos nos finais do primeiro governo de Dilma Rousseff. Como se sabe, grande parte da ala industrial do país abandonou o desenvolvimento produtivo trocando seus investimentos no parque fabril pelo mercado financeiro de especulações. O rentismo, nas palavras de Delfim Netto, passou a sua fase de parasitismo obstruindo seu próprio desenvolvimento como foi o caso da fusão da Sadia com a Perdigão, que apostaram em derivativos de cambio fora da Bovespa, mas que com a quebra do banco americano Lehman Brothers e a disparada do dólar, seus papéis foram para os ares, originando-se assim a BRFoods como meio de não decretar falência.  

Na verdade, qualquer cabeça com uma ou duas moléculas de lucidez, longe dos estigmas e ideologias polarizadoras, sabe que o Brasil cresceu não como nos disse Rangel no período de 1930 à 1980, mas timidamente cresceu nessa primeira, e quase segunda década do século XXI. Em um ligeiro balanço critico, os equívocos econômicos dos governos do PT se deram de dois lados: câmbio e industrialização.

Qualquer país que se quer digno de defender sua soberania nacional, se não atacar o câmbio pra valer, como foi nossa instrução 70 e 113 da SUMOC – antigo Banco Central – durante o segundo governo de Getulio Vargas que fixava variados câmbios de importação e exportação combatendo as famosas importações predatórias, continuará próximo dessa esquizofrenia social, onde todos participam ora com demagogia, ora com estupidez no debate publico demonstrando esse estado de letargia e voluntarismo inepto que atinge amplas camadas sociais.

Qualquer um que busque os números em queda da indústria paulista por mais de três décadas, hoje próximas de 11% do produto nacional – basta lembrar que a indústria na década de 70 e 80 representava 35% do PIB – além das migrações das empresas do sul do país para o nordeste, e hoje para o Paraguai, sabe que a questão fundamental dessas migrações e declínio é o próprio câmbio. Incentivos fiscais sempre serão bem vindos em um país que se queira continuar sua industrialização interrompida, mas sem mexer no câmbio não há desenvolvimento.

De 2007 pra cá foram dobraram o numero de empresas de importação se comparadas com as de exportação, demonstrando que passamos a importar badulaques e bugigangas que já produzíamos por aqui, e que muitas de nossas fabricas acabaram por fechar as portas.

Disso não há como culpar os chineses como indutores de nossos fracassos. O Brasil precisa assumir seus erros e parar de buscar bodes expiatórios por seus equívocos. Nossa máxima sempre foi acertar por equívocos, coisa que nossa vizinha Argentina não pode desfrutar desse privilegio histórico. Mas esse ciclo cada vez mais tem demonstrado seu esgotamento. Hoje precisamos voltar a escrever nossa historia a lá currente calamo, que traduzido do latim, nada mais é do que escrever com rapidez, sem se preocupar com o estilo. Sem desconsiderar o valor do marxismo europeu e da sociologia americana como agentes transformadores e modeladores da realidade, deveríamos voltar-nos àquilo que nos diz o engenheiro e ex-vice-presidente do BNDES,  Darc Costa em prol do Ocidente Profundo: “O povo brasileiro é provido das mágicas necessárias para a condução desse processo, e as mais relevantes lhe são exclusivas e possibilitarão acompanhar o Brasil nesta construção. Outros povos da região também as possuem, contudo, só o povo brasileiro as tem todas conjugadas, são elas: a mágica da antropofagia – a propriedade que possuímos de nos apropriar de qualquer manifestação cultural exógena, transformando-as em coisas positivas; a mágica do passado comum – a característica que temos de ver o estrangeiro presente como se fosse eu entre nós e não um tu entre nós; a mágica da mestiçagem – a propriedade de termos diferentes graus de tez morena; a mágica do sincretismo – a perfeita convivência religiosa, algo que no mundo não tem a dimensão que encontramos no Brasil; a mágica dos trópicos – a construção de uma civilização pelo cooptação daquilo que a natureza tem de mais pujante e agressivo: os trópicos; a mágica da tolerância – expressada na cordialidade, na subserviência, na humildade, e até mesmo na impotência. Tolerância exclusiva com o diferente, com o estranho, com o incomum, com o inusitado; a mágica da transcendência – capacidade de pairar sobre todas as outras mágicas, unificando-as em uma só, criando com elas uma síntese que transpõe a alteridade posta na dialética, sendo um aceite a tudo e a todos.”

João Victor Moré Ramos é mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina – Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais.

 

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