27 de fevereiro | 2017

“O Inferno São os Outros”

Compartilhe:

Ivo de Souza

O assunto já está velho, embora nunca superado. Petralhas x Coxinhas é, na verdade, um cardápio que ficou frio e, às vezes, requentado, volta à baila. Como um sinal evidente de ressentimentos, mágoas e ódio ao politicamente diferente (falamos aqui de ideologia política).

A oposição entre direita e esquerda é, antes de tu­do, um dado cultural. É determinada por fatores que nem a mais alta psicologia tem, ainda, como considerar essa polarização. A ciência política também anda querendo (há muito!) descobrir o que determina tais posiciona­men­tos, e consequentes comportamentos, na nossa participação política e na nossa vida cotidiana.

E aí aparecem, por conta da absurda polarização, os tais petralhas e os tais co­xi­nhas (petralhas, à esquerda; à direita, coxi­nhas). Polarização caolha que não vê o adversário po­lítico como tal, mas co­mo um inimigo.

Uns procuram, por vários meios, demonizar os o­u­tros e vice-versa. Daí para a intolerância e a incapacidade de diálogo é um passo pa­ra as agressões verbais e, até, físicas — como quando se encontram co­xinhas e petralhas em manifestações em espaços pú­blicos: há confusão, enf­renta­men­to e desrespeito mútuos. São inimigos, não adversários políticos — é a peleja mile­nar, que é parte da pró­pria essência humana:  bri­gar pela permanência do status quo e brigar pe­la ruptura desse mesmo status.

O que acontece, na verdade, é que esquerda e direita não divergem apenas no campo da política: são diferentes em tudo: “em ar­te, humor, preferência cu­linária (até nesse aspecto esquerda e direita divergem!), lazer, estilo, para onde viajam, modelos de automóveis (quem diria?) e até, vejam só, senhores de direita e senhores de esquerda, segundo a psicologia, em decoração — co­mo o homo sapiens é pequeno em sua preten­sa gran­diosidade. Não en­xerga um palmo além do nariz.

E se direita e esquerda são diferentes nessas pequenas e desprezíveis bobagens, são também diferentes em questões mais elevadas e de verdadeira relevância.

Têm pontos de vista diferentes, ideologias diferentes, diferentes formas de ver a vida, o outro e a si mesmos. Estão no mundo e sentem-no (percebem-no) de formas distintas.

Entre essas duas extremidades distintas, está o centro, que ora bambeia para a direita, ora pra es­querda,conforme lhe con­venha (ou não) essa ou a­quela estrutura política, so­cial, cultural, incluindo, aqui, credos religiosos e o­ut­ras crenças e convicções.

Na verdade, o homem deve livrar-se de todo tipo de fanatismo, das opiniões radicalizadas e de todo sectarismo político — que só arrasta as consciências ao atraso, ao preconceito, ao desrespeito em relação ao outro, ao que o outro pensa ou deixa de pensar.

A inclinação para lá ou para cá depende de fatores emocionais, psicológicos e, até mesmo, biológicos, segundo o psicólogo José Eli Veiga. Haveria uma predisposição (hereditária?!) para que uns tenham tendências libertá­rias e outros, autoritárias, como uma classificação de estudos de psicologia apregoa.

Há evidências, no campo científico, na observação e na vivência pragmática do dia a dia, de que o que há de contradição entre esquerda e direita não será jamais superada — É bem provável, segundo Veiga, que venha a desaparecer um dia: juntamente com a extinção do que se convencionou chamar espécie humana (os chamados seres racionais).

Quando não existir mais ninguém, essa contradição acaba…

Um questionário, ao procurar estabelecer características psicológicas e / ou padrão de personalidade (consequentemente de comportamento), perguntou aos entrevistados se era mais importante ensinar bondade ou respeito às crianças (apenas uma alternativa (opção) deveria ser apresentada).

Sabe-se perfeitamente, que as diferenças entre as crianças são fatores importantíssimos na educação e na formação de uma criança (de um adolescente e, depois, um adulto). Conviver com o diferente é, por si só, saudável para a vida política, social, intelectual e cultural da criança. É nessa convivência que vão aparecer a compreensão, a bondade, a solidariedade e o respeito ao que não é o mesmo — que nossas crianças não sejam narcisos e achem feio tudo que não seja espelho.

A convivência e vivência com as diferenças do homem e do mundo e, mais ainda, a coexistência entre vários universos humanos sempre traz muito mais be­nefícios para a sociedade moderna do que prejuízos. Infelizes os que pensam e agem autoritariamente, de outra forma. A­dversários sim, inimigos não. Essa contradição, que polariza as opiniões e os comportamentos não é, co­mo diz Veiga, apenas política. É a única forma que temos, tão diferentes que somos, de viver. E tão vetusta quanto a própria presença do homem na fa­ce da Te­rra. E ainda há de perdurar por séculos e séculos, enquanto o bicho-homem (o homo sapiens) continuar sua trajetória (e trágica condição) na busca de quem ele é, o que faz aqui nessas plagas e para onde irá, definitivamente, um dia.

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, colunis­ta, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

Compartilhe:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do iFolha; a responsabilidade é do autor da mensagem.

Você deve se logar no site para enviar um comentário. Clique aqui e faça o login!

Ainda não tem nenhum comentário para esse post. Seja o primeiro a comentar!

Mais lidas