28 de março | 2021

O medo e a insegurança não ceifarão o grito das letras mesmo tingidas pelo fogo ou manchadas pelo sangue

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“Como é possível, após 62 anos tentando
enxergar o próprio mundo e o mundo exterior,
meses e meses estudando e tentando praticar
o amor incondicional, sentir-se impotente,
prostrado, inerte diante de uma situação de
risco de morte que lhe é imposta pelo ódio,
pelo interpretar obtuso, pelo extremismo,
pela intolerância. Talvez tudo isso seja
a própria resposta”.
Mestre Baba Zen Aranes.

 

GENTE, JÁ SE VÃO …

… quase 10 dias, mas parece que foi ontem. As cenas aterrorizantes de risco de morte ainda insistem em ficar vivas na minha mente. Este colunista nunca pensou, nem de longe, que um dia poderia correr o risco de morrer na fogueira da inquisição, por causa do manifestar de seu pensamento, em razão do ódio e do radicalismo que o excesso de informação (com interpretações dis­tor­cidas da realidade) vem provocando nas mentes menos preparadas, em­po­brecidas por um ensino que não ensina a refletir, a questionar, mas apenas a aceitar dogmas, a acreditar em verdades absolutas pa­ra manter o ser entorpecido e acreditando que o mun­do é resumido a um conjunto de falsidades que despejam em suas cabeças.

COMO PODE

ALGUÉM, …

… em pleno século 21, por não concordar com o pensamento de outrem, querer tentar matá-lo queimado, asfixiado ou mesmo que de outras formas? Ainda mais numa cidade pequena e pacata como a nossa querida Olímpia.

O RADICALISMO …

… sempre existiu, mas, nos países mais desenvolvidos, em razão da educação de qualidade, acaba sendo contido e se resumindo a pequenos grupos que, por razões diversas, continuam na cegueira da mera reação e não se libertam da formação ideológica advinda da moral, a for­matação inicial que po­de ser questionada ou intensificada, levando o ser a ser cada vez mais humano, se libertando das suas reações meramente animais, advindas da emoção, o pulsão, o instinto do animal que pensa.

ESTE JORNALISTA, …

… no entanto, jamais imaginou, ou conseguiu acreditar que algo do porte do atentado sofrido na madrugada da fatídica quarta-feira, 17, pudesse vir a ocor­rer, principalmente em sua terra natal, de pouco mais de 50 mil habitantes.

SEMPRE COLOQUEI …

… o jornalismo, a profissão que brotou em mim aos 13 anos de idade, em primeiro lugar. É com ela que consegui interferir no dia a dia da minha cidade ao longo dos últimos 47 anos, para o bem ou para mal, mas sempre com a convicção de que estava lutando pelo menos para não deixar que coisas piores do que ocorreram, acontecessem.

E, ISSO ESTÁ …

… “escripto” em milhares de páginas encadernadas ou digitalizadas de um conjunto de mais de 2500 edições da Folha da Região. Algum dia, algum louco vai folhear tudo isso e perceber que, neste período da história de Olím­pia, existiu outro louco que dedicou toda a sua vida a defender os interesses desta cidade e, após décadas de batalhas ganhas e perdidas, numa guerra infinita, quase perdeu a vida, com certeza, por ter tentado exercer este sacerdócio que é o jornalismo em cidade pequena, onde todo mundo conhece todo mundo.

QUASE 10 DIAS …

… e parece que o pesadelo não acabou e nem vai acabar tão logo. É como se um peso enorme continuasse a ser carregado nas costas e que só terminará quando for pego o autor e seu mandante. Pois, só assim, com certeza, se saberá o que levou um ser vivo a fazer o que fez com tanta frieza e com a certeza de estar fazendo algo combinado, ou algo programado para ser feito com intenções que podem ou não ser descobertas.

ATÉ LÁ …

… a vida vai continuar seguindo o seu rumo, mesmo que, aos trancos e barrancos, mas cumprindo o seu circulo vertiginoso, dia após dia, sem volta, rapidamente, transformando tudo em passado, em imagens que vão ficando descoloridas pelo tempo.

TALVEZ, POR LONGO …

… tempo ainda, este ser pensante, continuará sendo consumido por este sentimento de impotência causado pelo fato de ter colocado em risco a vida das pessoas que tanto ama.

NÃO BASTOU …

… o isolamento social, o distanciamento da sociedade, a vida enclausurada e restrita ao pequeno círculo de conviventes. Ao que tudo indica, pensar socialmente, hoje em dia, requer isolamento total. Viver escondido em algum recanto solitário longe da própria sociedade empobrecida e cheia de frutos podres que se quer defender.

COM CERTEZA, …

… jamais se esperou que tudo isso pudesse ocorrer. Mas o que chocou não foi a ação e o fato de ela ter ocorrido. No fundo, quem vive a explorar, através da razão, a descrição da realidade, por nunca conseguir retratar sempre a versão preferida de todos, está sempre sujeito a reações inesperadas que podem vir até de onde menos se espera.

MAS QUANDO, …

… o ataque é de tocaia. É covardemente às escondidas e totalmente imprevisto, é difícil de se prevenir, até de imaginar que possa acontecer.

E O QUE CHOCA …

… é ouvir de um serzinho de menos de 9 anos, trêmulo, todas as noites, antes de dormir, a mesma afirmação seguida de uma pergunta: vovô, estou com medo! Será que o homem vai vir botar fogo em nossa casa novamente?

José Salamargo, eis a questão que está sem resposta. E o problema que vem num momento em que a situação econômica caótica não faz com que se tenha solução fácil. A insegurança da profissão se une a do atual momento totalmente impre­visível (político e econômico).

A única certeza que fica é a de que nenhum dos que me cerca, mesmo sabendo que não deixarei, em hipótese alguma, o campo de batalha, optou por buscar a segurança longe deste velho soldado que não sabe fazer outra coisa a não ser lutar pelos seus e tentar defender sua sociedade como um todo, até dela mesma, com a sua única arma que um dia foi a caneta, passou pela máquina de escrever e hoje é o dedilhar do teclado do computador ou o microfone e o vídeo dos programas pela internet.

Sonho é o que se sonha só. O que se sonha junto é realidade, dizia mestre Raul dos Santos Seixas.

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