17 de maio | 2015

O que quer a Poesia?

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Ivo de Souza

O que toda arte quer: emocionar, sensibilizar, denunciar. E quer mais. Quer ser lida e amada por crianças, jovens e velhos (idosos). Quer o bem, o bom, o prazer e a emoção de se sentir viva nas mãos do leitor (aliás, só assim ganha vida verdadeira).

Quer o verso e o reverso das coisas, a beleza das pequenas coisas cotidianas, a rima, especialmente, o ritmo (sem ritmo não há poesia). Interpretar o mundo em sua dimensão mais profunda por meio do mais banal, do mais corriqueiro, do que está ao nosso redor no dia a dia. É a luta drummondiana da palavra (Lutar com palavras é a luta mais vã / no entanto lutamos mal rompe a manhã.), que deseja mudar o mundo. Verbalmente, com a força do Verbo.

A Poesia quer o belo, o feio, o preto, o branco, o homem, a mulher, a criança, o pássaro – tudo quer a Poesia. E nem tudo ela pode. Às vezes está escondida atrás de outras obras numa prateleira empoeirada de uma livraria qualquer (pobre coitada!), sem ter ninguém que a veja, que a sinta, que sinta o seu pulsar, o seu grito de revolta  e de paz. Poucos dialogam com ela. Poucos são sábios!

A poesia quer quase tudo. E pode, na sua essência, aspirar a quase tudo, em seu nível mais profundo de leitura (não fique no nível superficial, ali encontrará pouca coisa). Não procure interpretações duvidosas (exageradas, às vezes), pois que ela, a Poesia, já é, em si mesma, uma interpretação do mundo. Sinta-a, emocione-se, chore ou ria, ela, a Poesia quer ser amada, mais sentida do que compreendida, entendida ou decifrada. Quer liberdade para poder dizer o que quiser, com simplicidade, e ser elaborada com esmero e arte, trabalhada até o último (?) grau de significação (instância profunda). Ser libertadora.

A Poesia quer todos os temas (sem preconceitos), os elevados, os baixos, os suaves, os ásperos, os limpos, os sujos. Tudo! Tudo quer a Poesia. E tudo poderia, não fossem as nossas retinas fatigadas e os nossos ouvidos moucos. Não fosse o desprezo que muitos têm pela palavra, pelo seu poder de transformação, pela sua beleza e encantamento.

Quer, ainda, a Poesia, todos os ritmos, todos os cantos, todas as medidas. (velhas ou novas ou novíssimas). Quer a piada, o concreto, o figurado, a alegoria, quer a folha branca, vazia, do papel para expressar-se, espreguiçar-se, enfurecer-se, rir-se, chorar.

Quer ter a voz que já teve em outros tempos (quando o Poeta dava nome às coisas, hoje, esse papel ficou com a mídia, especialmente, com a publicidade).

A Poesia não quer continuar sendo a prima pobre do romance, do conto e até da crônica. Ela é a mãe de todas essas expressões artísticas. E não cobra nenhum pedágio por isso. Deixa que todos bebam na fonte do fazer poético, para que toda obra (que foi à fonte) seja impregnada de vida.

A Poesia quer e pode (quase) tudo. Coitados dos leitores que ainda não perceberam isso e nutrem um preconceito inconcebível diante da mãe da palavra-arte: a Poesia!

 

P.S.: Edward, Wadão, Marques lançou “A Lua no Café,” belo livro de poemas. Edward Wadão Marques labora (sem a vírgula entre o nome do autor e o verbo como está na quarta capa do livro) e elabora seus poemas para preenchê-los de poesia, a qual deve colorir de emoção, luz e mistério os seus textos bem compassados (estruturados livres e poeticamente). Usa muito bem a linguagem poética (que se debruça sobre si mesma) com expressões inusitadas que se transformam em surpresas poéticas.

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, co­lu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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