05 de outubro | 2018

Um momento de decisão entre o nada e o lugar nenhum e o real e o virtual

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“A vida passa pelos nossos olhos com uma rapidez incontrolável. Tudo vira passado num piscar de olhos. E a gente vai seguindo sempre pelo caminho escolhido, condenados que somos à nossa própria liberdade, ou para muitos, ao livre arbítrio. Em todos os cruzamentos temos que escolher qual o rumo seguir. O Brasil, neste momento, nos impõe uma destas encruzilhadas, mas também nos obriga à restrição da escolha, regulando as possibilidades no sentido de que se viabilize a tomada de vários rumos, mas todos levando à manutenção dos privilégios oriundos do poder.”
Mestre Baba Zen Aranes.

PRA COMEÇAR, …

… apenas tentando enxergar o conteúdo das palavras de mestre Baba, a conclusão que se chega é a de que estamos vivendo o famoso momento: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Não existe nada de novo no “front”. De qualquer forma, não importa o que aconteça, a perspectiva é a de que ainda não chegamos ao fundo do poço e corremos o risco de, ao chegar lá, tirarem o próprio poço para ficarmos vagando no vazio da desesperança.

TODO O MOVIMENTO …

… de ódio desencadeado pelo candidato perdedor das eleições de 2014 no sen­tido de derrubar sua adversária, levaram a uma situação de ódio e de des­temperança que certamente poderá tomar rumos muito piores do que se imagina.

ESTE COLUNISTA …

… já tem como certo que nenhuma mudança deverá ocorrer, seja qual for o resultado das eleições, ou seja, não importa quem seja eleito, nada vai melhorar. O que pode acontecer é termos um retrocesso dos grandes.

MAS, …

… o que se entende é que o grande legado que deverá ficar para a posteridade é, segundo o jornalista, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e colunista da Folha, Leonardo Sakamoto, esta eleição vai parir um país que não se importa em separar ficção da realidade, seja por que considera isso irrelevante, seja por que desistiu de tentar entender o que é real e o que não é devido ao caos, seja por que se beneficia com isso.

PEDINDO LICENÇA …

… pra ele e para os nobres leitores, entendo necessário transcrever uma de seus últimos artigos na Folha de São Paulo, pois coloca luz em um tema que este colu­nista vem discutindo ao longo dos últimos meses, sem conseguir tal clareza.

O JORNALISTA …

… começa escrevendo sobre o  cenário que Aviv Ovadya, chefe de tecnologia do Centro de Responsabilidade para Mídias Sociais do conceituado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), chamou de ‘’Infocalipse’’ que pode ameaçar a democracia por aqui, da mesmo forma como está fazendo em outras partes do mundo. Se você não acredita em fatos e na razão e se guia apenas por falsidades e emoções, como vai tomar decisões racionais envolvendo sua vida e a da sua comunidade?

PARTE …

… das pesquisas e debates que tratam de notícias falsas e campanhas de desinformação encaram o cidadão que lê e compartilha conteúdos nas redes e aplicativos de mensagens de forma passiva, cujo comportamento depende de processo externos a ele.

ENUMERAM, …

… como razões para tanto, a falta de educação formal, que dificulta a leitura e a interpretação de textos; a falta de capacitação para a mídia, o que impede a análise de discursos e a uma reflexão sobre o ato de compartilhar informação não checada; a ultrapolariza­ção, que faz com que seres humanos normais se vejam em uma guerra política, encarando toda informação contra o ‘’inimigo’’ como verdadeira; e a perda de relevância de instituições, que faz com que as pessoas desconfiem das informações que vêm do Estado e da imprensa, entre outros.

ISSO, …

… segundo o jornalista da Folha, faz com que pes­quisas que apontam que os brasileiros são um dos povos que mais acredita em notícias falsas do mundo façam todo o sentido. A do Instituto Ipsos, por exemplo, diz que 62% dos entrevistados já caíram nelas, o que nos coloca na primeira posição, seguidos pela Arábia Saudita, Coreia do Sul, Peru e Espanha.

CONTUDO, …

… mais assustador que o sujeito passivo que não percebe que o conteúdo que está difundindo é falso é a constatação de que parte da população sabe que está recebendo um boato e, conscientemente, passa adiante. Não para fortalecer sua identidade dentro do grupo ou ganhar likes e, portanto, respeito, mas para, de forma clara, atacar o “inimigo’’ – personificado na figura de um adversário político.

SAKAMOTO …

… diz que participo de grupos no WhatsApp, sem relação pessoal, à direita e à esquerda, permanecendo como observador para efeito de pesquisa acadê­mica. Desde que chegou setembro, membros passaram a postar material, alertavam que aquilo era uma mentira, chegavam até a explicar o porquê (citando agência ou serviços de checagem), mas que, mesmo assim, devia ser usado por todos para atacar o outro lado. No que era saudado e prontamente atendido.

ESSE …

… comportamento ocorre em diversos grupos, mas naqueles ligados a fãs do candidato Jair Bolsonaro, a frequência é bem maior.

O AMBIENTE …

… tóxico para o debate digital que foi criado, paulatinamente, desde as eleições de 2014, passando pelo processo de impeachment até atingir as eleições deste ano, deixou marcas que dificilmente serão removidas quando o pior da tempestade passar. Se passar, claro. E não por conta de ressentimentos e da ultrapolariza­ção, que explode pontes e impede que ouçamos aqueles com os quais não concordamos. Mas por simplesmente haver um naco da população para o qual as consequências éticas de não separar fato e boato deixou de existir. Acreditam na lei do mais forte, o que significa nessa era digital que aquele que conse­guir impor sua vontade, usando qualquer método, vence.

FAZ PARTE …

… de nosso aprendizado – continua o jornalista – para a vida privada e pública considerar a difusão de falsidades como algo negativo e de informações verídicas como uma coisa boa. Mesmo assim, desde sempre, o ser humano mentiu, e faz isso várias vezes por dia, para garantir benefícios para si mesmo e seu grupo ou para proteger alguém.

A PARTIR …

… do momento em que o processo de repassar, conscientemente, mentiras é feito de forma massiva, com a aceitação coletiva dessa difusão em nome de um objetivo político, nada impede que tal comportamento estenda-se ao restante das dimensões das relações sociais. A difusão de fatos falsos passa a ser encarada como o novo normal, preenchendo de lama a esfera pública. Com isso, a confiança das pessoas nas pessoas e das pessoas nas instituições cai ainda mais, gerando conflitos sociais. A divisão da população resultando disso fortalece ainda mais políticos que se colocam como garantidores da ordem em uma sociedade em constante ameaça.

NÃO IMPORTA …

… quem ganhe as eleições em outubro, teremos grande dificuldade de nos comunicarmos a partir do ano que vem. Espero que as previsões de Aviv Ovadya não se concretizem, apesar de considerar cada vez mais um cenário distópico como o retrato de nosso futuro imediato.

AS CONVENÇÕES …

… de Genebra são tratados firmados para definir direitos e deveres de combatentes em tempos de guerra, o que guiou o desenvolvimento do direito humanitário. Esse tipo de acordo costuma ser firmado após longos períodos de atrocidades e horrores serem presenciados, como forma de evitar que não se repitam. Com a corrosão de elementos que nos mantém unidos e reconhecendo no outro o direito à digni­dade, pergunto-me se teremos que nos reunir para construir documentos semelhantes para batalhas digitais em um mundo pós-Infocalipse. Se houver mundo depois disso, claro.

É COMPLICADO …

… mas assustador. Não dá para prever consequências do ato de um povo que vai escolher seus governantes baseados em mentiras e falsidades e nem qual será seu próprio futuro, já que o vício de se viver num mundo irreal e virtual é por demais inimaginável.

José Salamargo – Aliás, só para clarear um pouquinho mais as coisas. Será que o que estou escrevendo pra vocês, que é fruto da reflexão de Sakamoto e da interpretação deste velho mofo, por ser opinião, pode ser também ser fruto do “infocalipse”? Você decide!

 

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