21 de junho | 2015

A peleja do Diabo com o Dono do Céu

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Não admito que me fale assim

Eu sou o seu décimo-sexto pai

Sou primogênito do teu avô

Primeiro curandeiro

Alcoviteiro das mulheres

Que corriam sob teu nariz…

Me deves respeito

Pelo menos dinheiro

Esse é o cometa fulgurante

Que espatifou…

Um asteróide pequeno

Que todos chamam de Terra…

De Kryptônia desce teu olhar

E quatro elos prendem tua mão

Cala-te boca companheiro

Vá embora, que má-criação!

De outro jeito

Não se dissimularia

A suma criação…

E foi o silêncio

Que habitou-se no meio

Esse é o cometa fulgurante

Que espatifou…

Um asteróide pequeno

Que todos chamam de Terra…

De Kryptônia desce teu olhar

E quatro elos prendem tua mão

Cala-te boca companheiro

Vá embora, que má-criação!

De outro jeito

Não se dissimularia

A suma criação…

E foi o silêncio

Que habitou-se no meio

Esse é o cometa fulgurante

Que espatifou…

Um asteróide pequeno

Que todos chamam de Terra…

Oh! Oh! Oh! Oooooooooh!

Eh! Eh! Eh! Eeeeeeeeeh!

Oh! Oh! Oh! Oooooooooh! 

 

Willian Zanolli

Antes necessário se faz acentuar que este trabalho não tem por objetivo desvelar o que pode estar oculto na composição de Zé Ramalho, o que cabe somente ao autor.

Se permite a imaginação, como permitiu a tantos outros, críticos literários, dissertadores de teses, artistas, e ao criador da música Kriptonia, nos enveredaremos pelas hipóteses que se  nos apresenta para tentar trazer a luz alguns dos mistérios que no nosso entendimento estão presentes na canção.

Para tanto, pesquisamos a história do autor, sua relação com a filosofia, misticismo, música, suas experiências de vida, relação com as mais variadas manifestações artísticas e movimentos sociais.

Sua formação seria medicina não houvesse interrompido os estudos no segundo ano, o que demonstra pela época em que foi admitido na faculdade e a comparação com as exigências de hoje em termos de conhecimento para ser admitido em uma Faculdade de Medicina, que possuía uma bagagem cultural a ser respeitada.

Ligado a livros esotéricos de Carlos Castaneda, autor de Erva do Diabo. Gostava de alquimia, tinha relação com o piscodelismo dos anos 70 e relação com o LSD, ácido lisérgico, chá de cogumelo e canabis sativa. Admirador do pintor surrealista Salvador Dali. Leitor de Aldous Huxlei autor do livro Admirável Mundo Novo, de onde pinçou o título da canção Admirável Gado Novo. Ligação com a cultura estrangeira, música indiana e rock. Relação muito profunda com a literatura de cordel e com as questões de sua terra.

Foi bastante ligado a Raul Seixas criador da Sociedade Alternativa. Como Raul Seixas tem por ídolo o compositor de protestos Bob Dylan.

Ligado a irmandade hyppie, viveu um período em uma comunidade cuja filosofia era flor, paz e amor, sexo e rock.

Fã de Histórias em quadrinhos. O seu disco A peleja do diabo com o dono do céu trazia na capa o diretor de cinema e ator José Mojica Marins popularizado pela personagem Zé do Caixão.

Diante destas informações pode-se começar um relato acerca das hipóteses que podem conduzir ao entendimento de parte das obras de Zé Ramalho, e da música Kriptonia, pois parte de suas composições remetem muitas vezes ao universo místico.

O mundo é dual, portanto discutido sob duas vertentes, claro, escuro, noite, dia, amor, ódio, choro, riso, alegria, tristeza, exatamente sobre estas possibilidades se debruçam todos os estudos que pretendem desnudar o que pode vir a ser os conflitos da alma humana.

No começo da vida, no Planeta Terra os homens eram politeístas, obedeciam e respeitavam vários deuses, depois se transformou em uma maioria monoteísta.

A visão politeísta explicava a vida na terra através dos Deuses do Olimpo, a monoteísta através do Deus Uno.

Nasceu, no entanto, a ciência que trouxe Darwin e as perguntas passaram a buscar respostas outras para suas dúvidas. 

Faça-se a luz e a luz se fez, assim começa tudo? Ou o começo está numa explosão?

O começo veio do caos que aos poucos foi se organizando, ao longo de milhares de anos e acasos sucessivos, ou o começo foi um estrutura complexa, extremamente organizada e inteligente, cabendo a nós sermos o caos? Somos nós os resultados de uma explosão? Ou somos criação de um ser supremo?

Criacionismo ou evolucionismo, eis a questão que remete a debates calorosos, apaixonados e muitas vezes cegos. O criacionismo e o evolucionismo são duas teorias que tentam explicar a criação e a evolução do homem. Embora nenhuma delas possa ser comprovada em laboratório.

O evolucionismo é a teoria que surgiu no século XIX, a partir da publicação do livro de Charles Darwin “A Origem das Espécies”, em 1859, após uma viagem às Ilhas Galápagos. Já no criacionismo A Bíblia narra a história da origem de tudo: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Esta é a ideia central do criacionismo: Deus criou todas as coisas, inclusive o homem.

A hipótese do aparecimento da vida por acaso está no mesmo nível de absurdo que a hipótese da criação da vida de forma intencional por um ente superior que ninguém sabe de onde veio.

Perdidos entre a explicação científica do Big Bang, (a grande explosão) e a teoria que envolve Arca de Noé, Adão e Eva vamos comendo nossa maçã sem entendermos nada do que somos, por que somos, nem como aqui chegamos.

Esta teoria da explosão, como a da criação natural provocada por um ser poderoso, criaram dois personagens dotados de superpoderes: Jesus Cristo que vem dos céus para salvar e o Super-homem que vem de Krypton dotados de superpoderes para poder também salvar a humanidade das maldades dos homens.

Se há, como na Ilíada de Homero, um calcanhar frágil em seu personagem principal, Aquilles, há uma cruz em Jesus e uma pedra Kryptonita para diminuir as forças e os superpoderes do Super-homem.

O filósofo Nietsche criou o termo super-homem para designar um ser superior aos demais que, segundo Nietsche era o modelo Ideal para elevar a humanidade. Para ele, a meta do esforço humano não deveria ser a elevação de todos, mas o desenvolvimento de indivíduos mais dotados e mais fortes.

Ainda segundo Nietsche, seria o Super-homem e não a humanidade, que para ele era mera abstração, não existindo em realidade, sendo apenas um imenso formigueiro de indivíduos. 

Nota-se que nos anos setenta eram populares os gibis do Super-homem, muito discutida as obras de Nietsche e Aldous Huxley, Salvador Dali brilhava nas artes Castaneda com sua Erva do diabo era best-seller, Bob Dylan era a figura mias notável da música de protesto e os alucinógenos faziam parte da história da criatividade, sem contar que o místico e a busca de si mesmo estavam no ar.

Kryptônia vêm do grego, kripté e do latim, crypta, e se refere a uma galeria sob uma igreja, santos eram enterrados em igrejas, significa também lugar obscuro e pode nos remeter, como em geral remete todo texto que busca tirar o cidadão da escuridão do Mito da Caverna, também conhecido como “Alegoria da Caverna”, uma passagem do livro “A República” do filósofo grego Platão.

Através desta metáfora é possível conhecer uma importante teoria platônica: como, através do conhecimento, é possível captar a existência do mundo sensível (conhecido através dos sentidos) e do mundo inteligível (conhecido somente através da razão).

O mito fala sobre prisioneiros (desde o nascimento) que vivem presos em correntes numa caverna e que passam todo tempo olhando para a parede do fundo que é iluminada pela luz gerada por uma fogueira. Nesta parede são projetadas sombras de estátuas representando pessoas, animais, plantas e objetos, mostrando cenas e situações do dia-a-dia. Os prisioneiros ficam dando nomes às imagens (sombras), analisando e julgando as situações.

Vamos imaginar que um dos prisioneiros fosse forçado a sair das correntes para poder explorar o interior da caverna e o mundo externo. Entraria em contato com a realidade e perceberia que passou a vida toda analisando e julgando apenas imagens projetadas por estátuas. Ao sair da caverna e entrar em contato com o mundo real ficaria encantado com os seres de verdade, com a natureza, com os animais e etc.

Voltaria para a caverna para passar todo conhecimento adquirido fora da caverna para seus colegas ainda presos. Porém, seria ridicularizado ao contar tudo o que viu e sentiu, pois seus colegas só conseguem acreditar na realidade que enxergam na parede iluminada da caverna. Os prisioneiros vão chamá-lo de louco, ameaçando-o de morte caso não pare de falar daquelas ideias consideradas absurdas.

Platão com o mito pretendeu dizer que os seres humanos têm uma visão distorcida da realidade. No mito, os prisioneiros somos nós que enxergamos e acreditamos apenas em imagens criadas pela cultura, conceitos e informações que recebemos durante a vida. A caverna simboliza o mundo, pois nos apresenta imagens que não representam a realidade. Só é possível conhecer a realidade, quando nos libertamos destas influências culturais e sociais, ou seja, quando saímos da caverna.

No Bojo da discussão há que se lembrar a figura de Lúcifer ou do diabo, que solidifica a ideia da dualidade universal, o contraponto de Deus é o Diabo, o bem e o mal, a certeza e a dúvida, e da mesma forma que Super-homem ou Jesus Cristo, o Diabo é algo que vem de algum lugar que não é aqui, embora não tenha poderes para nos salvar, levando-se em conta a ideia de Super-homem ou Jesus Cristo, é dono do reino do inferno e tem sobre si superpoderes sobre a prática da maldade, tem domínio completo sobre a perversidade e por isto foi ejetado do céu para o inferno.

Um exemplo da presença marcante das questões místicas na música de Ramalho pode estar em Avohai que pode ir até além do que se pode imaginar na tese disseminada do avô pai ou nela fincar estacas.

O título, ao que tudo indica, vem de Adonai que é um termo hebreu que significa “Meu Senhor”. Este era o nome de Deus usado no antigo testamento em vez do nome divino de Javé (Yahweh), uma vez que este, por respeito, não se devia pronunciar.

Nesta discussão acerca da ideia do avô pai pode surgir a ideia do próprio nascimento de Jesus que tem duas paternidades, uma terráquea e outra celeste.

A da terra dá conta de que seu pai é José, o carpinteiro, e Maria, a virgem e que foi gerado pelo Espírito Santo.

A divina dá conta de que ele é filho do pai celestial e veio ao mundo para nos salvar.

A visão da Trindade por óbvio demais, dá conta da existência do pai, do filho e do Espírito Santo. Se na terra Jesus foi gerado pelo Espírito Santo, sendo filho de Deus, pela questão hierárquica terrena, Deus seria seu avô, visto que ele é fruto da criação de Deus, justificando a teoria do avô pai.

A obra de Zé Ramalho é toda carregada de metáforas e simbolismos que permitem diversos olhares que confrontados podem se distanciar uns dos outros mostrando facetas totalmente divorciadas em cada leitura.

Impregnada de regionalismos, ligada à literatura e à filosofia, conta a história de forma surrealista e fantasticamente epopeica, muitas vezes evocando a ideia do mito restaurador das virtudes humanas, identificáveis no Super-homem, nos deuses, nos avatares, santos e demônios, Adonais, Zoroastros, Zaratrustas, Jesus ou Buda que cruzaram terras e oceanos em palavras de salvação.

Este misticismo de sua cultura e experiência de vida é latente em sua obra e tentar compreendê-la é como viajar por cavernas, labirintos obscuros, desconhecidos caminhos da construção da história e da magia humana universal, baseado na visão da evolução ou da criação, dependendo da forma como cada um organiza o pensamento. Motivos mais que suficientes para se concluir pela incompreensão do todo e da percepção de fragmentos daquilo que pode ter sido sua pretensão místico, literária, poética, filosófica, musical.

E o inferno queimando, respeitando a tese inicial da dualidade, não é mais que a repetição da teoria do Big Bang, um asteroide que queima, que será, pela metáfora destruído pelo fogo, que na dualidade se contrapõe a água do grande dilúvio que destruiu a terra possuída pelo mal, para depois reconstruí-la, para levá-la ao caminho do bem, pelo mesmo motivo que Aquilles tenta salvar Tróia, Jesus sacrificado na cruz e Super-homem voa sobre Smalville para combater as forças do mal.

Pode haver na obra Kryptonia de Zé Ramalho muitas destas leituras aqui invocadas ou muitas outras dependendo do olhar que sobre ela se debruçar, dependendo do momento que a alma da pessoa que estiver ouvindo possa estar vivenciando, e sobretudo em que tipo de êxtase se encontra.

Não se pode negar entre uma explosão e outra de planetas e fragilidades susceptíveis ao poder de uma pedrinha que esta metáfora por si só já conduziria a conclusão de que todos são inconclusos e inacabados e que ninguém por mais que tenha observado a vida sabe exatamente de que planeta veio, que força têm, o que o detêm por aqui, até onde vai seus super poderes, a que Deus ou que diabo entrega a sua alma. 

São talvez estas incertezas as coisas mais certas da música de Zé Ramalho que toca e canta desde sempre a peleja do Diabo com o dono do céu; quem tem ouvido de ouvir que ouça, quem tem alma de entender que entenda, e quem não tem que vá para o diabo que o carregue.

 

Willian A. Za­no­lli é ar­­tista plástico, jornalista, estudante de Direito, pode ser lido no w­ww.­willianzanol­li.­blo­gs­pot.com e ouvido de segunda, quar­ta e quin­ta-feira, das 11h30 às 13h­00 no jornal Cidade em Des­taque na Rádio Cidade FM 98.7 Mhz. E, aos do­min­­gos, das 10h00 às 12h­00 no programa Sarau da Ci­dade.

 

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