31 de julho | 2016

Cidade à venda? Notas sobre o turismo

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“Brasil amado não porque seja minha pátria,
Patria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der…”

(Carlos Drummond de Andrade, O poeta come amendoim, 1924)

 

João Victor Moré Ramos

Uma cidade que se quer moderna, que se faz moderna requer um esforço descomunal de toda, quando não por toda comunidade. É verdade que mandatos e governança atuam ora como agentes catalizadores (profundamente nacionais) do processo social, ora como meros coadjuvantes de forças exteriores internacionais. Todavia, a unidade-totalidade de um espaço social só pode ser compreendida na medida em que se consideram as diferentes esferas econômicas, sociais, políticas e culturais da vida de uma sociedade, sobretudo expressadas na continuidade, ao mesmo tempo em sua descontinuidade do desenvolvimento histórico. Aparentemente o turismo enquanto “categoria histórica” aparece na contramão desse processo. Aparente, dado pelo pouco debate que se tem produzido a respeito dessa temática entre nós geógrafos, bem como por sua profunda elasticidade conceitual. Além disso, vale observar que grande parte dos trabalhos e ensaios produzidos sobre o tema, tenha prevalecido um subjetivismo idealista no interior das analises muito próximo àquilo que predominou ao longo do debate agrário na transição do século XX ao XXI. Naqueles tempos idos até nossos dias, falsas premissas nortearam pesquisas de grande parte da intelectualidade (geógrafos, sociólogos, cientistas políticos e historiadores) sobre uma inexistente contradição entre a agricultura familiar e o agronegócio. Retomavam o Manifesto impregnado de um “socialismo de tipo feudal”, que, além de não entenderem as contradições inerentes do capitalismo, não conseguiam nem mesmo propor algo novo, incorporando os avanços e as lições do mesmo em direção a uma sociedade superior. Imperava-se o velho discurso nietzcheano do eterno retorno ao idílico, daquela relação homem-natureza que nunca existiu. A maneira de exemplo da modernização agrícola nacional, as interpelações obtusamente dominantes abandonavam a celebre divisão da sociedade em classes, esquecendo-se que a agricultura já não produzia mais alimentos, e sim capital. Com a internacionalização da agricultura brasileira, e sua alta competitividade integrada a um ramo muito maior de acumulação de capital, não se dava mais para estudar a agricultura por ela mesma. Nesse caso, levava-se a adiante uma falsa dicotomia entre o grande proprietário (o fazendeiro do agronegócio) e o pequeno produtor (o agricultor familiar, resistente ao capitalismo, e representante do futuro por colher as frutas do pé) ou por assim dizer, como se o grande capital fosse o mal e o pequeno capital fosse o bem, insistindo no mesmo equivoco reacionário de que o capitalismo pudesse voltar a sua fase concorrencial, como se a economia de escala e sua etapa monopolista andasse em marcha ré. Nada mais estranho, para não se dizer enganoso supor que não existam leis de desenvolvimento econômico. Pois bem, mas vamos ao que interessa o texto. Voltemos ao turismo. No que diz respeito à geografia, os estudos relativos ao turismo continuam mais se interessando pelas formas do que por sua formação. É dai que se pode encontrar o elogio à mediocridade subdesenvolvida, dado o relativo papel dos intelectuais da área. Como diria o professor Milton Santos, “a cidade é um elemento impulsionador do desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas. Diga-se, então, que é a cidade lugar de ebulição permanente”. No entanto, junto ao turismo surge a implantação de infraestruturas básicas em escala regional, a implantação de equipamentos hoteleiros e a qualificação de mão de obra para o setor, bem como o agressivo marketing nacional e internacional. Dizer que o turismo constrói e reconstrói o espaço urbano, e que cidades são construídas  única e exclusivamente para seu consumo, excluindo-se tudo o que é feio – a miséria da maioria dos habitantes, o aumento da periferização e degradação do meio ambiente – e que – a cidade do turista é crescer a qualquer preço, a mercê da especulação imobiliária impondo um padrão arquitetônico e urbanístico que acentua as diferenças sociais a partir de uma (fragmentação/segregação) – seria uma meia verdade. Obviamente há uma disputa entre o Estado e a iniciativa privada por esse novo filão espacial. Não por acaso que o turismo represente um estranhamento para a população nativa, bem como um espetáculo para os forasteiros (turistas). Sem embargo, o impacto da atividade turística depende da infraestrutura regional e a criação de espaços hierárquicos. Problemas de crescimento desordenado da cidade, quando a demanda é maior que a infraestrutura existente, comprometem a possibilidade de absorver migrantes e turistas no médio e longo prazo. Outro fator é a publicidade turística que não tem responsabilidade alguma na produção e na política direta. Não há slogan melhor que os defina: “os profetas só prometem o paraíso após a morte, enquanto o turismo o realiza na terra”. De todo modo, seria um exagero dizer que a cidade turística é vendida como mercadoria, e que a competência do turismo não é só um atrativo e potencial, mas capacidade de seduzir e agradar a clientela cada dia mais sedenta de novidades – onde a fragmentação produzida pela ver­ticalização e horizon­talização de condomínios fechados atua como um mundo a parte da cidade. A cidade por assim dizer, é um teatro de lutas e tendências. Sua síntese só pode ser marcada pelos conflitos de interesses de classe, bem como suas alianças. Nesse sentido, levando em conta que o crescimento urbano desconsidera o planejamento e o futuro, basta saber então quem são seus atores sociais, e o que fazer na transição para uma cidade mais humana.

 

João Victor Moré Ramos é Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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