11 de novembro | 2012

O rei corrupto e absolutista e o estelionatário cínico

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Willian A. Zanolli
Em um reino muito distante daqui…um monarca corrupto e absolutista ..

 

Vamos dar a primeira pausa para esclarecer o que nem haveria necessidade de esclarecimento, até por que se é um reino muito distante já não é mesmo aqui.
 

No entanto, como há absolutistas esparramados pelo mundo todo e corruptos a sair pelo ladrão, corro o risco de a hora que eu sair do mofo em que me encontro cruzar com gente que vão falar que sabem de quem eu estou falando, o reino é distante, talvez nem seja deste mundo, como diria Alejo Carpentier.
 

Se longe é um lugar que não existe, este reino é pra lá do longe, é de onde exportaram o Xurequinho, o que fala que toda ação importa uma reação, e prova.
 

Se cometo a ação de roubar dinheiro público, minha conta engorda, ação e reação.
 

Se, no entanto, sou alvo do Supremo nesta ação gatuna contra o erário, posso ter meu passaporte apreendido e não conseguirei voltar para o reino distante de onde vim. Sábio o Xurequinho.
Voltando. Neste reino distante o rei corrupto e absolutista cansado da queixa da população em relação a um escroque que havia por lá dando golpes nos súditos, pensou, pensou e sabiamente o convocou para assessorá-lo já que sua troupe era composta pela pior espécie que havia no reino, um a mais um a menos nem seria notado pela indiferença da maioria acostumada a ser assaltada diariamente.

 

Só tiraria do convívio popular aquele que tirava bala de criancinhas, roubava estudantes desprevenidos, cegos sem cautela, e velhinhas inocentes com a lábia comum aos estelionatários, cuja grande arma é o cinismo oculto nos trejeitos de finesse e boa educação, além de aculturamento acima da média empregado de forma contrária aos interesses públicos, por visar sempre, única e exclusivamente, seu bem estar.
 

O tradicional uso inadequado da informação.
 

Ocorre, porém, que estando no palácio o estelionatário, e recebendo do tirano rei polpudas verbas para sua subsistência, não poderia deixar de atender solicitações do monarca que o amparava financeiramente, endossando suas falcatruas que agora não lesavam um ou outro cidadão, lesava todos os cidadãos, tendo em vista que recebia seu salário dos impostos e taxas altíssimas que o rei aplicava aos que padeciam por viver naquele reino.
 

E investido de um cargo, passou o estelionatário a ser questionado pela população, já que suas ações mais autoritárias e tão gatunas quanto as do rei passou a incomodar a maioria a quem as ações atingiam diretamente.
 

Certa manhã estava o rei em seus aposentos após uma orgia, que reis deste período gostavam destas coisas, assim como há quem goste disto até hoje, pensando nas donzelas e donzelos com quem havia se deitado no vinho, nos acepipes, na música de má qualidade, no sexo selvagem, na sua porção Nero com Calígula, quando a guarda real anunciou que o estelionatário queria uma audiência com urgência.
 

A princípio, incomodado o rei, por sair de seus devaneios dionisíacos, reagiu em recebê-lo, diante da insistência e da argumentação da gravidade do que seria exposto, cedeu a contragosto.
 

Entra desiludido e angustiado o estelionatário e relata as infindáveis críticas e troças a que estava sendo sujeito junto a população por conta de sua inestimável contribuição para somar esforços no sentido de enriquecer o patrimônio moral do reinado e fixar as bases que solidificariam a eternização do mandato real.
 

Pontuou que no cumprimento de seus afazeres abandonara familiares e a vida social e que parte rebelde do populacho estava colocando na sarjeta ou jogando no descrédito sua biografia e vasta folha de serviços prestados, com difamações, calúnias e inverdades improcedentes sobre sua tão séria contribuição.
 

Que mesmo invocando as prerrogativas essenciais a continuidade da democracia no reino, solicitava de seu amo e senhor os serviços da guarda pretoriana para, enfim, colocar ordem no caos, onde a maioria não esclarecida pensa que pode opinar sobre o exercício de funções exercidas pela minoria iluminada pela luz candente dos lampiões do período produtivo das trevas, quando a humanidade perdeu mil anos, mais os tiranos puderam através do silêncio se manter no poder.
 

O rei, sábio, como soi acontecer até a reis medíocres, neste momento ligou o tele pronter de um bobo da corte, que sempre há muitos bobos na corte, e tontinhas e tontões, e leu do tele pronter do astuto bobo a seguinte mensagem:
 

Meu caro estelionatário veio do nada, do lugar algum, era apenas um pulha que exibia supérfluos como eu antes de sentar neste trono. Como eu enganava pessoas da ralé com contos do vigário, era em suma um vigarista, e em que pese ter mudado sua condição social, sua alma como a minha em nada mudou, estamos na essência como sempre fomos, os mesmos gatunos, os mesmos larápios de sempre.
 

Se há, e há um incomodo do povo em relação ao trabalho que ora finge que desenvolve, pelo péssimo hábito de não se lembrar que a vida é apenas memória e esquecimento, e que mora lá no fundo do esquecimento deles o teu passado e o meu, que eles não conseguem trazer a tona para se aperceberem que apenas passamos a fase dois do processo de evolução dos vigaristas, a dos golpes mais refinados.
 

Deixamos de assaltar indivíduos, passamos a roubar o coletivo, crescemos e isto está exposto na forma como conduzimos nossa vida social, se antes obtínhamos raros medalhões da ralé para nossa sopa diária, depois que aqui cheguei através de golpes e compra de consciência, é outro meu universo, é outro o seu universo de consumo, e isto é observado pela maioria.
 

Que embora trouxa, imbecilizada, toleirona, passiva, imediatista e passível de ser corrompida enxerga vultos através de sua catarata, e estes vultos de demonstração de enriquecimento são levados a parte não atrofiada do cérebro e faz com que visualize a sombra do que poderia ser a vida sem nossa presença no poder.
 

E muitos deles gostariam de estar no seu lugar ou no meu, e alguns, sonhadores que são, crêem que o mundo muda, e não conseguem observar que eu e você e outros filhos de Baco fomos trazidos para comandá-los pela mentira atraente, pela alienação e pela compra de consciência.
 

Você, como tantos outros, na mesma condição de índole bandoleira, foram tirados da rua não pelo risco social que representam, mas por estarem em sintonia com o desgoverno monárquico e autoritário que implantei, sua grande contribuição não é social, não minta para si mesmo, é contribuir para instalação do caos e da anarquia que produz confusão tal e tantas discussões que as mais importantes são esquecidas antes mesmo que se chegue a uma definição sobre elas.
 

Portanto, meu caro estelionatário, volte aos seus lençóis de linho, sua carruagem, suas noites de orgia e bacanal financiadas pelo reino e continue reafirmando seu trabalho sério por ai, mesmo que você, que se conhece tanto não acredite nisto, faça como eu que vivo comigo desde que vi a luz do sol, não se acredite, saiba conviver consigo mesmo.
 

O povo, que não se lembra direito de governantes sérios por aqui, por não ter havido, esquecerá de você como se esqueceu do passado de dor e sofrimento que lhe foi imposto desde sempre.
 

Portanto volte a sua inutilidade que esta a razão de estar aqui, e faça com que eu me orgulhe de ter do meu lado alguém que se parece tanto comigo, assuma sua identidade de vez, você nunca deixará de ser o que é, está no seu DNA, e nem será aquilo que pensa ser.
 

E deixa-me voltar para festas e gandaias que é de pão e circo que eu e o povo gostamos.
 

Num reino muito distante um bobo da corte, um palhaço, escreveu este texto que foi lido por um rei e entendido como de grande sabedoria por um estelionatário, que se retirou dos aposentos reais feliz por ter se encontrado consigo mesmo e com a alma gêmea que comandava a si e ao reino onde imperava a corrupção, que parece coisa nova, mais é muito antiga, tanto quanto este conto, que até parece aconteceu estes dias por aqui.

Willian Zanolli é artista plástico e jornalista e doravante contará fabulas.

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