18 de dezembro | 2016

Uma escola de R$ 8.000/mês?

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Ivo de Souza

A escola pública brasileira já viveu dias melhores. Professores excelentes, alunos interessados (estudiosos) e famílias estruturadas.

Hoje, sabe se muito bem que não é mais isso que acontece. Na verdade, eu não vou-me cansar de dizer: o que aconteceu é que a escola pública, segundo os políticos e atores da área, democratizou-se (é a chamada universalização do ensino, ou seja, “todos na escola”), mas não se preparou para receber essa nova cliantela. Houve um tempo em que o ensino de boa qualidade da escola pública era tachado de elitista (talvez realmente o fosse). Atualmente a chamada elite estuda em escolas particulares.

Em 2018, São Paulo inaugura uma filial (franquia?) da Avenues School de Nova York, com mensalidade de R$ 8.000.

Os alunos da Avenues cursam universidades como Harvard, Yale e Stanford e crianças de 5 anos são fluentes em inglês e mandarim (a China vem aí), enfim, uma escola que usa sistemas interativos em todas a aulas. Um dos vários focos da instituição é a interdisciplinaridade (desenvolvimento de projetos interdisciplinares) – essa questão já foi muito propagada no Brasil, mas são raras as escolas que conseguem pôr em prática o que seja verdadeiramente o tal do “entrosamento” entre as diversas disciplinas, por exemplo, interação entre educação física e os princípios básicos da física. É possível?

Na Avenues School de Nova York (as próximas inaugurações serão em Miami, Vale do Silício, Xangai, Shenzhen, Londres e Doha), alunos aprendem, segundo reportagem de um jornal de circulação em todo o Brasil, a lidar com impressoras 3D e comem lagosta orgânica no refeitório, aprendem matemática pelo método de Cingapura no ensino fundamental e constroem casas de selva com painéis de energia solar e estudam religiões do mundo – alunos brasileiros sem nenhum apoio do nível que a Avenues proporciona a seus alunos, também produzem coisas extraordinárias na área de ciências e em outras disciplinas. Imaginem se os nossos jovens (e crianças) fossem apoiados por uma estrutura como a que apoia os alunos da Avenues. Seriamos tão espetaculares quanto eles.

A escola (só para os muito ricos e milionários) tem um objetivo geral: formar “cidadãos globais” e promete aos pais entregar-lhes filhos (alunos) “confiantes”, mas “humildes em relação a seus talentos e generosos de espírito”, “honestos e conscientes de que seus comportamentos influenciam nosso ecossistema” – tudo isso por US$ 50 mil/ano.

A escola está sendo erguida no bairro Cidade Jardim – começa a funcionar em agosto de 2018 com investimento de US$50 milhões e pretende receber 2.000 alunos. Não se sabe ainda se o aluno (o pai do aluno na verdade) terá de pagar taxa de entrada (cerca de R$ 40 mil). A educação (naturalmente) será bilíngue (inglês e português); as crianças poderão estudar também mandarim e espanhol. A frase da senhora Marcela Dias (ela tem uma filha de 5 anos na escola) resume tudo o que foi escrito:

“Se você pode pagar, vale muito a pena pela estrutura da escola, a tecnologia, o ensino, e também pelo networking”. Se pode pagar…

Especialistas de alto gabarito trabalharão na escola (o diretor do ensino médio veio da escola americana Chapel; a diretora de admissões estava na Escola Graduada e a diretora do ensino fundamental era do St. Paul’s, escolas internacionalmente conhecidas e reconhecidas pelo ensino que oferecem). Não esclarecem, porém, como formar cidadãos humanamente globais, humildes, confiantes , generosos de espírito e honestos e com atitudes que influenciarão o ecossistema. Tecnologia não cria, não constrói, não edifica nenhum desses valores. Em tempo: especialistas brasileiros questionam, de certa forma, o conceito (batidíssimo, aliás) de globalização. Consideram-no muito importante, mas, dizem os especialistas, requer equilíbrio no setor de educação.

Neide de Aquino Noffa, professora da Faculdade de Educação da PUC, arremata: “Acho importante essa tendência de internacionalização, só vejo o perigo de os alunos deixarem de valorizar a cultura do próprio país”, atitude que já ocore com muita frequência entre os nossos alunos. Mas essa já é outra questão, que também deve ser debatida seriamente. Pode ser que sim, pode ser que não, mas isso, sinceramente, não tem a menor importância.

Em tempo: Só para finalizar: será que o paladar dos aluninhos da Avenues São Paulo vai aprovar a lagosta orgânica no refeitório da escola?

A filha de Tom Crusie, Suri, estuda na Avenues de Nova York (isso tem alguma importância ?).

P.S.: A reportagem sobre a escola top americana é da jornalista Patrícia Campos Mello, de São Paulo.
 

Ivo de Souza é professor universitário, poeta, colu­nista, pintor e membro da Real Academia de Letras de Porto Alegre.

 

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