29 de agosto | 2018

Olímpia registra o seu primeiro caso de morte causada pelas redes sociais

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José Antônio Arantes

Claro, não é possível garantir a totalidade da motivação, da causa, mas, com certeza, o estímulo maior foi a execração pública, o julgamento antecipado, a agressão e o ódio tão comuns nas redes sociais, que levou a professora efetiva do ensino municipal, Carla Fabiana Marretto, 33 anos, a tirar sua própria vida por volta das 21 horas da noite de segunda-feira, 27 de agosto.

Fabiana havia sido flagrada por tentativa de furto de alguns produtos, na maioria alimentícios, no Extra Supermercados em Olímpia e detida em flagrante delito, na manhã do mesmo dia. Na delegacia, após o registro do flagrante, o delegado arbitrou fiança prevista em lei, de R$ 1 mil e a professora pagou e foi liberada.

Poucos instantes depois, alguém que estava dentro do próprio supermercado, que havia tirado fotos da cena vexatória que, ao contrário do que manda o bom senso, foi presenciada por muitos e não reservada, anexou outras do próprio Facebook da professora e começou a sessão do “tribunal de inquisição” que atualmente foram transformadas as redes sociais.

Várias fotos do momento da prisão acompanhados de comentários agressivos, cheios de ódio, já condenando a professora por um crime que, provavelmente nem iria a julgamento pela justiça, uma vez que foi uma tentativa de furto de valor irrisório e que havia sido acompanhada por câmeras de vídeo (já existe jurisprudência entendendo que fatos deste tipo não são puníveis ou considerados excludentes de ilicitude).

O comentário menos agressivo que este colunista recebeu, acompanhado das fotos, principalmente pelo WhatsApp, dizia: “Essa professora foi pega furtando no supermercado do Extra, hoje pela manhã. Olhar grande exemplo, a fiança foi pagar no valor de 1000 reais! E ela já está na rua, isso é Brasil.”

Mas outros foram mais agressivos, já condenando sem saber os motivos que levaram a professora a cometer tal ato, sem conhecer nenhuma das circunstâncias e, principalmente, sem conhecer o ser humano e nem mesmo quais os problemas que este enfrentava. Não existe defesa. Só acusação e agravantes. Um verdadeiro tribunal dos tempos da inquisição, como se todos os julgadores fossem exemplos de dignidade e ética. Como se nunca tivessem cometido nenhum ato desabonador. Mas o que acontece com a gente tem justificativa; tem atenuantes. Com o vizinho não.

A professora, então, foi bombardeada por insultos, comentários desabo­nadores e teve sua imagem propagada com uma velocidade interestelar. No final da tarde e aí está a grande prova de que estes julgamentos causaram a tragédia, sua advogada recebeu também pelo WhatsApp o seu pedido de socorro. Não estava suportando a situação.

De nada adiantou todas as argumentações da profissional do direito, o que a professora necessitava era de ajuda de profissional específico, os especializados em depressão, em libertar o ser daquela angústia mortal que parece estourar o peito, destruir a alma, tornar inexistente o corpo e insignificante a própria vida.

Sem confirmação oficial ainda, entre 20h30 e 21 horas se jogou na frente de um veículo, antes, estacionando seu carro às margens da rodovia Assis Chateaubriand na íngreme descida das proximidades do bairro rural Ibitú. Seu corpo ficou destroçado, tanto, que não pode ser reconhecido pelo próprio irmão, denotando que a alma não conseguiu preservá-lo, pois as forças malignas eram tantas que precisava de libertação.

Para seus alunos, “Tia Carlinha” se foi. Para a família não existe argumentação lógica, apenas desolação. Mas, para os detratores, os juízes virtuais, pelo menos que fique a lição de que ninguém é melhor que ninguém, que somos humanos, humanos demais e, portanto, todos podemos errar. Mas, com certeza, temos o direito a ter um julgamento justo, onde sejam levados em consideração todos os aspectos do erro, os motivos, as circunstâncias, os fatos, o direito. Não dá para fazermos justiça com as próprias mãos, mesmo no mundo virtual, pois, mesmo nele, corremos o risco de manchar nossas mãos de sangue, e, ao invés de juízes, passamos a ser executores, verdadeiros carrascos do nosso próximo.

PREFEITURA EXPEDIU NOTA
O fato repercutiu intensamente nas redes sociais e a própria prefeitura expediu nota de pesar registrando o fato de ter perdido um de seus funcionários efetivos na área da educação de modo trágico.

“A Prefeitura da Estância Turística de Olímpia, por meio do prefeito Fernando Cunha, e da secretária de Educação, Maristela Meniti, manifesta o seu mais profundo pesar pelo falecimento precoce da servidora pública, CARLA FABIANA MARRETTO, de 33 anos, ocorrido no fim da noite dessa segunda-feira, dia 27 de agosto. Desde 2014, Carla trabalhava como professora efetiva na rede municipal de ensino, estando atualmente na EMEB Dona Benta, no bairro Morada Verde. Neste momento de dor, a Administração Municipal e todos os companheiros de trabalho da Secretaria de Educação se solidarizam com familiares e amigos. Carla sempre foi conhecida pelos colegas como uma pessoa feliz, carinhosa e dedicada ao trabalho. Sua morte prematura representa uma grande perda para o serviço público”.

ENTERRO NO FINAL DA TARDE
O corpo de Carla foi encaminhado ao IML de Barretos e no final da tarde de terça-feira, 28, foi sepultado no cemitério local.

DIÁLOGO DA PROFESSORA COM A ADVOGADA
A professora, por volta de 20 horas da segunda-feira, ainda manteve um diálogo com sua advogada através do aplicativo WhatsApp. Talvez, este tenha sido o seu último diálogo antes de tirar a própria vida.

20:16 – Carla: Lígia
20:17 – Carla: Um monte de gente mandano msg
20:28 – Carla: tem foto e tudo
20:28 – Carla: Me ajuda
20:28 – Carla: Pelo amor de Deus
20:32 – Lígia: Foto do que
20:32 – Lígia: ?
20:33 – Lígia: Vc devia ter falado que foi um mal entendido
20:46 – Lígia: Mas isso deve estar restrito a poucos grupos
20:46 – Carla: Como vou saber
20:46 – Carla: Mandaram pra amigos
20:46 – Carla: Vou perder tudo
20:46 – Carla: Na vida
20:47 – Lígia: Por causa disso não vai
20:47 – Lígia: Isso é um fato isolado na sua vida
20:47 – Lígia: Vc vai sentir muita vergonha por ser uma pessoa boa
20:48 – Lígia: Mas não vai perder tudo
20:50 – Carla: Ligiaaaaa minha dignidade
20:56 – Lígia: Carla, não pensa assim
20:56 – Lígia: Vai te fazer mal
20:56 – Lígia: Isso vai passar
20:56 – Lígia: E vc vai voltar a se sentir digna
21:02 – Lígia: Não abaixa a cabeça agora
21:02 – Lígia: Vc vai ter que ser forte e enfrentar isso
21:03 – Carla: Lígia todo mundo falando
21:03 – Carla: Perdi o chão
21:05 – Lígia: Isso vai passar
21:05 – Lígia: Fica firme
21:05 – Lígia: Ergue a cabeça


 

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