13 de abril | 2025
Suposto caso de pessoa com necessidade extrema emociona e engana parte da população de Olímpia
CAMPANHA VIRA CASO DE POLÍCIA!
História comovente mobiliza a cidade, mas fatos contraditórios mostram golpe. Morador afirmava ter esposa amputada, neta morta por escorpiões e dificuldades financeiras para realizar funeral; dinheiro foi arrecadado, mas não chegou a ser transferido.
Vaquinha online e depósitos diretos mobilizaram dezenas de moradores, igrejas e empresas locais. Situação gerou comoção coletiva, mas inconsistências no relato levantaram suspeitas. Polícia registrou ocorrência como não criminal, mas apuração segue.
Um caso relatado como trágico e urgente mobilizou grande parte da população de Olímpia nos últimos dias. Um homem alegava estar enfrentando uma série de dificuldades extremas, entre elas um câncer na face, a amputação da perna da esposa, e a morte da neta, supostamente vítima de picadas de escorpiões. A história sensibilizou igrejas, empresas e moradores, que se uniram em uma campanha solidária para ajudá-lo financeiramente.
A narrativa chegou até uma psicóloga que atua em uma empresa local, por meio de sua manicure, que disse conhecer o homem em situação de vulnerabilidade. Diante dos relatos, a psicóloga organizou uma vaquinha virtual e compartilhou a causa em grupos de mensagens e redes sociais.
ARRECADAÇÃO ATINGE META,
MAS TRANSFERÊNCIA É SUSPENSA
A campanha rapidamente ganhou apoio, e a vaquinha virtual em poucas horas arrecadou aproximadamente R$ 4 mil superando o valor estipulado como meta a ser alcançada em mais de R$ 1 mil. Além disso, ao que se informa, moradores realizaram depósitos diretos via Pix para o número de CPF fornecido pelo homem. No entanto, conforme a história era verificada, começaram a surgir contradições nos depoimentos.
As informações fornecidas pelo homem foram consideradas imprecisas. Quando questionado por telefone, ele não soube informar o nome da escola da criança supostamente falecida, nem o nome do sítio em que residiria, dizendo apenas que o dono era de uma cidade do ABC Paulista. Também afirmou que a criança havia sido levada para Bauru sem passar por atendimento local.
INCONSISTÊNCIAS SÃO CONSTATADAS
PELA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Uma psicóloga acabou descobrindo que o homem não morava em Olímpia, mas sim num bairro rural próximo (Ibitu), distrito do município de Barretos. Ela, então, entrou em contato com o município onde o homem dizia morar. A resposta foi de que ele, de fato, é conhecido da equipe daquela cidade, mas residiria sozinho, sem esposa, filhos ou netos. O morador tem histórico de atendimentos anteriores por problemas de saúde, mas nenhuma das situações relatadas por ele foi confirmada.
De acordo com a profissional, o homem teria afirmado que o corpo da neta falecida estaria em Bauru, depois em São Paulo, onde teria sido levada para doação do coração, e por fim, em hospital de nome desconhecido. Quando confrontado, não soube dizer qual seria o hospital em que estaria sendo atendido ou que teria acolhido a criança falecida, e sempre mudava os detalhes da história ao ser questionado.
POLÍCIA REGISTRA OCORRÊNCIA
COMO NÃO CRIMINAL
Diante das inconsistências e do risco de prejuízo às pessoas que haviam contribuído, a organizadora da vaquinha optou por não transferir os valores arrecadados. Um boletim de ocorrência foi registrado, com natureza inicialmente não criminal, mas com possibilidade de alteração após investigação mais aprofundada por parte da autoridade policial.
O caso foi relatado por uma psicóloga e o boletim aponta que o morador alegava receber cestas básicas, ser assistido por entidades religiosas e já ter tido apoio da assistência social municipal.
MOBILIZAÇÃO EXPÕE
RISCO DE GOLPES EMOCIONAIS
A situação deixou em alerta diversos setores da cidade, que se viram comovidos por uma história com forte apelo emocional. A facilidade de arrecadação por plataformas digitais, aliada à propagação rápida em redes sociais, acabou contribuindo para o alcance da suposta fraude.
Segundo relato da organizadora da vaquinha, nenhum valor foi transferido e o dinheiro permanece retido até que a verdade dos fatos seja esclarecida. Caso se confirme que se trata de um golpe, a quantia será destinada a uma família realmente necessitada, conforme informado pela equipe responsável pela arrecadação.
AUTORIDADES ORIENTAM
SOBRE CUIDADOS EM CAMPANHAS
As autoridades locais reforçam a importância de verificar a autenticidade das informações antes de iniciar ou participar de campanhas solidárias, especialmente em casos que envolvem apelos emocionais com doenças, tragédias familiares ou morte de crianças.
Até o momento, não houve formalização de acusação criminal, mas o boletim de ocorrência está registrado e poderá ser complementado conforme a apuração avance.
GOLPES DE COMOÇÃO COLETIVA!
Golpe de Olímpia e outros casos semelhantes que usaram tragédias para arrecadar dinheiro
José Antônio Arantes – O golpe aplicado em Olímpia causou comoção e perplexidade. Um homem afirmou enfrentar grave doença, alegou que sua esposa teria perdido a perna e que uma criança próxima havia morrido após picada de escorpião. A narrativa mobilizou igrejas, moradores e empresas, que arrecadaram valores por meio de vaquinha online e transferências diretas.
Apesar da comoção, inconsistências começaram a surgir: o homem não sabia informar nomes de hospitais ou escolas e a criança supostamente falecida nunca foi identificada. A assistência social de Barretos informou que o homem já havia pedido ajuda antes e que não possuía filhos nem netos.
GOLPES SEMELHANTES
JÁ OCORRERAM EM OUTRAS CIDADES
Casos semelhantes ocorreram em diversas cidades do Brasil. Em Ribeirão Preto golpistas usaram fotos de um bebê com doença rara para arrecadar doações. No Rio de Janeiro, uma mãe teve a imagem da filha falecida clonada e usada em campanhas falsas. Em Goiás, uma mulher fingiu ter câncer para arrecadar doações e gastou os valores com procedimentos estéticos.
Também houve casos em que golpistas usaram nomes de hospitais falsos, fingiram serem pais de crianças inexistentes e criaram perfis em redes sociais com imagens reais de crianças doentes — copiadas de campanhas legítimas. Em muitos desses golpes, os criminosos arrecadaram milhares de reais antes de serem descobertos.
DESFECHOS ENVOLVEM INVESTIGAÇÃO E PRISÃO
Nos casos em que as fraudes foram comprovadas, os responsáveis acabaram sendo indiciados e presos por estelionato. As investigações frequentemente envolvem rastreamento de contas bancárias, cruzamento de dados de redes sociais e denúncias feitas por familiares das vítimas verdadeiras.
O caso de Olímpia, embora grave, não é inédito. Trata-se de um tipo de golpe que vem se multiplicando com o crescimento das doações online e da empatia digital. A rapidez das redes sociais e a confiança comunitária ajudam a espalhar essas histórias antes que possam ser checadas.
RAZÕES OCULTAS
Golpistas emocionais agem com frieza e planejamento. Pela filosofia, o comportamento representa uma ruptura ética: o outro é tratado como instrumento, não como fim. É uma negação do imperativo categórico de Kant. Segundo Adorno e Horkheimer, a razão se torna instrumental: a empatia é usada como técnica de convencimento e manipulação.
Do ponto de vista do niilismo ético, os valores deixam de existir. Não há culpa nem remorso, pois tudo é visto como relativo. Isso permite que o golpista se veja como vítima ou sobrevivente, legitimando suas ações por uma suposta injustiça do mundo ou da sociedade.
ESTRATÉGIAS SOCIAIS
E MOTIVAÇÕES BIOLÓGICAS
Na ciência, a biologia evolutiva aponta que o comportamento enganoso pode ser uma estratégia adaptativa. Em ambientes de escassez ou desigualdade, o desvio pode parecer uma forma mais fácil de garantir recursos. A teoria do “jogo da trapaça” mostra que, mesmo em sistemas cooperativos, indivíduos podem explorar brechas se o risco de punição for baixo.
A sociologia complementa: a exclusão social crônica e a falta de oportunidades favorecem racionalizações como “todos fazem”, “o sistema é injusto” ou “melhor isso do que roubar”. A cultura do “jeitinho” brasileiro reforça essa lógica, celebrando a esperteza e, muitas vezes, relativizando os limites morais.
NEUROCIÊNCIA
E PSICOLOGIA DO ENGANADOR
A neurociência mostra que indivíduos com baixa ativação do córtex pré-frontal medial — região ligada à empatia e julgamento moral — tendem a manipular com menos culpa. Muitos também têm hiperatividade no sistema dopaminérgico, o que os torna mais suscetíveis a repetir comportamentos que trazem recompensa imediata, como enganar e obter dinheiro.
Já a psicologia aponta traços de transtornos de personalidade. O transtorno antissocial inclui desrespeito pelas normas sociais, impulsividade e ausência de remorso. O narcisismo exagera a autoimagem e alimenta o desejo de controle, admiração e poder, mesmo que obtido por meio de mentiras. A manipulação emocional é uma ferramenta usada com habilidade para gerar confiança e comoção.
Enfim, tudo pode acontecer.
SOLIDARIEDADE IMPULSIVA:
POR QUE CAÍMOS EM GOLPES
QUE EXPLORAM O SOFRIMENTO
A principal razão para a eficiência desses golpes é emocional: histórias tristes geram reatividade. O ser humano tende a ajudar antes de questionar, especialmente quando há crianças ou doenças graves envolvidas. A empatia provoca uma reação automática de solidariedade, bloqueando temporariamente o raciocínio crítico.
No plano cognitivo, usamos heurísticas (atalhos mentais) para julgar situações rápidas: “se todos estão doando, deve ser verdadeiro”. É o efeito manada. A presença de amigos, igrejas e instituições na campanha também gera um selo informal de confiança.
A TECNOLOGIA E A FALTA DE FILTRO
As redes sociais dão velocidade e alcance a essas narrativas. Um link de vaquinha, uma imagem comovente e um texto bem escrito criam a ilusão de autenticidade. A estética da mensagem, a repetição e o compartilhamento em massa reforçam a sensação de legitimidade.
A sociedade digital ainda carece de cultura de checagem. Poucas pessoas verificam nomes, datas, hospitais ou ligam para confirmar. Plataformas de arrecadação, embora úteis, ainda não têm filtros suficientes para impedir fraudes emocionais. Golpistas experientes se aproveitam dessa brecha para explorar o melhor dos sentimentos humanos: a solidariedade.
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