16 de agosto | 2015

Relato de um festival que pode estar com os dias contados

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Há algum tempo, a pedido do meu querido amigo de infância Sebastião Gallina (Tiãozinho), enviei o texto que reproduzo aqui, com os devidos cortes, enquanto contribuição a dissertação que desenvolvia. Observando sua atualidade, peço licença ao mestre Sebastião para publicá-lo, com título pinçado por mim após relatos de pessoas que frequentaram o festival este ano e entendem que sobrevive com dificuldades, ou, se esvazia aos poucos.

Willian Antonio Zanolli

Desde criança contribui com o professor José Santana inicialmente atuando na condição de pintor, desenhista, desenhando em bandeiras de folias de reis e congadas, ou em outros adereços que fossem necessários aos festejos.

Em síntese, fazia tudo que fosse relacionado a pinturas, desde painéis aos enfeites que se utilizava na Festa do Folclore, que naquele período iniciava na cidade de Olímpia, além de outros afazeres que eram solicitados pelo professor e folclorista.

Vale notar que no período havia um grande envolvimento dos habitantes da cidade que contribuíam para o sucesso dos festejos.

Na época do Festival do Folclore o comércio local e os fazendeiros faziam doações que permitiam o alojamento e a alimentação dos grupos que vinham se exibir no palco da Festa, que à época era montado na Praça central da cidade.

Muitos ônibus traziam estudantes de outras cidades para conhecerem as manifestações autênticas de grupos vindos de grande parte do país.

A população abria suas portas para abrigar os visitantes, era comum que famílias se oferecessem no sentido de fornecer abrigo a quem fosse ficar mais que um dia na cidade, levando-se em consideração as dificuldades devido a existência de apenas um número muito pequeno de hotéis.

Os grupos geralmente ficavam abrigados nas escolas, o que parece ocorre até os dias de hoje.

A infraestrutura no sentido de abrigar as pessoas era bastante precária, muito embora houvesse empenho do poder público local, quando de seu inicio, o Festival exigiu muito empenho e esforço do professor José Santana e de um grupo de professores do à época Ginásio Capitão Narciso Bertolino que tiveram a ideia da comemoração do folclore, que nasceu na escola e ganhou as ruas da cidade.

Estudiosos e interessados pelo folclore nacional se deslocavam para Olímpia, que no mês de agosto abrigava o maior número de grupos e manifestações autênticas da forma de se expressar do povo brasileiro, que passava de gerações a gerações através da oralidade e do inconsciente coletivo.

O festival, que envolvia a cidade, extrapolou as fronteiras regionais e ganhou respeito nacional e, ao contrário do que o imaginário deixa transparecer, era o desfecho de pesquisas levadas a efeito pelo professor folclorista ao longo do ano e que eram registradas num anuário cujo lançamento que marcava o lado científico do evento. A publicação continha o resultado de suas pesquisas de campo e coroava a cientificidade que era o núcleo e a intenção do folclorista.

Muito embora, hoje, por conta de conhecimentos leigos de antropologia, pela leitura de Malinowski, possa valorizar o esforço desenvolvido pelo professor José Santana, por não ter influenciado, ou tentado modificar o conteúdo das manifestações que eram levadas ao palco com a forma e conteúdo preservados, além de que o que era colhido nas pesquisas terem mantido sua originalidade por imposição do professor, tenho, hoje algumas divergências em relação ao Folclore.

Me alio a corrente que entende como preconceituoso o termo inicialmente cunhado por Willian John Thoms, Folk-Lore – ciência do povo, ou arte popular, por elitizar determinadas formas de cultura e adjetivar, ou não reconhecer como arte, apenas arte, manifestações que não se enquadrem em racionalismos cartesianos, e cuja origem não produza explicações cientificas que não se enquadrem na visão apolínea e deságue no dionisíaco que contempla com envolvente poesia o que os racionalistas chamam de loucura.

Independente deste pensar, que explicitei, para que não paire dúvidas, continuo a valorizar o trabalho desenvolvido pelo professor Santana, que buscava com esforço hercúleo manter viva a chama de grupos folclóricos que lamentavelmente sofrem além de discriminações por conta da falta de entendimento acerca da inestimável contribuição que possam dar para que possa o país e seu povo entender suas raízes, dificuldades de ordem econômica para prosseguirem levando a história de seus antepassados.

José Santana viabilizava grupos de outros estados para que pudessem ter seu palco e seu momento de glória em Olímpia, em Agosto, quando grande parte destes grupos, acreditando na proposta por ele levada com muito sacrifício, percorria enormes distâncias para se apresentar na Capital do Folclore.

A cidade de Olímpia, com o festival, ganhou projeção nacional, tendo sido alvo de reportagens dos principais jornais de grande circulação do país, alvo de curta de Jean Manzon que deu início a muita sessão de cinema pelo país afora, além de chamadas e reportagens nos grandes canais de televisão, com destaque para a TV Cultura que sempre destacou o Festival.

Poderia me estender em fatos que transformaram o Festival do Folclore local reconhecido por folcloristas e artistas de renome que se dedicavam a música raiz que para cá vinham por ocasião da festa, e que tornaram a cidade conhecida e respeitada, projetando-a no cenário nacional como a Capital Nacional do Folclore.

Nada disto entendemos mais importante que a discussão acerca do que levou o trabalho visando a preservação dos grupos folclóricos e o estudo acerca de manifestações folclóricas que culminavam no festival do  folclore levados a efeito pelo professor Santana, ao modelo de festival que hoje é levado na cidade de Olímpia.

Dissidentes do grupo de Santana, que não entenderam o radicalismo com o qual ele defendia a proposta de manutenção da origem da proposta que era trazer grupos identificados de forma genuína com as manifestações populares, foram implodindo o projeto inicial por dentro e obrigando a introdução de mudanças no formato inicial.

Após vários rachas internos no grupo que produzia o festival, foram adicionados, contrariando o desejo do professor folclorista, grupos parafolclóricos que geralmente eram constituídos por alunos de escolas, faculdades, gente bonita que fazia uma representação que lembrava em tese as manifestações autênticas.

Naturalmente que em nada lembravam os grupos originais, cujos participantes provinham de núcleos sofridos da periferia brasileira, geralmente, mal cuidados, com instrumentos e roupas que demonstravam exatamente o que nossa cultura política discriminatória permite.

Por outro lado, estudantes e universitários e bem cuidados, com roupas e instrumentos novos que tocavam releituras mais cuidadosamente trabalhadas, reestilizadas, ganhavam a simpatia do público espectador pelo luxo, pelo brilho de plumas e paetês em contraste com o capim, as cordas e os panos simples e coloridos dos folguedos. Este público, então, passou a exigir mudanças próprias do capitalismo no festival. É a arte que tem quer ser comercializada, tem que ser consumida e não apenas contemplada.

Embalados por estas exigências e sem nenhum conhecimento mais profundo de folclore, sem traquejo para discussões de ordem cultural, o grupo dissidente montou um festival paralelo que passou a se chamar Fifol – Festival Internacional do Folclore, que foi levado a efeito por um período muito breve.

Breve, mais que foi o suficiente para deixar marcas profundas que abalaram o Festival Nacional do Folclore que já dava juntamente com seu fundador mostras de cansaço evidente.

A cidade, com pouco menos de cinquenta mil habitantes, embora o poder Executivo, investisse pouco na organização do Festival Nacional, passou a ter menor interesse, por entender, talvez, que o retorno econômico financeiro com fluxo de turistas seria maior, e o festival começou a engatinhar para o seu começo de decadência.

O Festival Internacional, embora parecesse novidade, não cumpria o papel do nacional, não conseguiu envolver escolas e faculdades na sua proposta exatamente pelo vazio cientifico que propunha, e teve seu final em curtíssimo tempo.

Inconformado com a dissidência do seu grupo e a criação do Festival Internacional, o folclorista José Santana teve abalada a sua saúde que já estava debilitada e, neste período, veio a falecer, trazendo um vácuo que não foi preenchido até os dias de hoje.

A parte dissidente que formara o Festival Internacional sem nenhuma clareza ou motivação folclórica para levar avante os trabalhos do professor José Santana reassumiu o Festival Nacional que ano após ano foi perdendo a presença de público até se chegar a conclusão em se optar por outra solução capitalista para se resolver a questão da ausência de público.

Como bem se pode observar ao longo da explanação, o festival que nasceu com o objetivo de estudar as manifestações culturais do povo brasileiro culminando com os festejos em Agosto, que são levados a efeito por uma semana, cedendo mais uma vez a visão do espetáculo, da presença de público, deixou de ser comemorado no mês do Folclore, para conciliar com a vocação turística, que tem no Clube Thermas dos Laranjais seu principal expoente, mudou para Julho.

Pode se dizer tudo, até que o Festival Nacional do Folclore possa ser um sucesso de público, só não se pode falar que tenha ou repita nos últimos anos o sucesso que estava reservado às manifestações autênticas dos antigos festivais.

Mais que isto, não há mais trabalho de campo e os anuários do folclore invariavelmente repetem material já publicado do professor José Santana, e até bem pouco tempo, toda sua biblioteca e matéria inédita recolhida em campo encontrava-se em estado de abandono no Museu do Folclore local.

O Recinto do Folclore da forma como foi criado se encontra sem que tenha havido nenhuma ampliação o que muito bem significa que a vontade capitalista do lucro através da presença de público foi mal sucedida e só contribui para jogar no ostracismo o Festival Nacional do Folclore.

De positivo sobraram pessoas que viveram e entenderam a intenção do professor folclorista na luta pela preservação da nossa história, do entendimento de nossas raízes, que se mudaram de Olímpia e evidenciam em teses o experimentado na cidade de origem e comunicam ao mundo que a possibilidade de entender o mundo que nos envolve passa exatamente por ter o olhar sempre presente no passado.

 

Willian A. Zanolli é ar­­tista plástico, tendo ilustrado vários anuários do Festival Nacional do Folclore, jornalista, estudante de Direito, pode ser lido no www.willianzanol­li.­blo­gs­pot.com e ouvido de segunda, quar­ta, quin­tas e sextas-feiras, das 11h30 às 13h­00 no jornal Cidade em Des­taque na Rádio Cidade FM 98.7.

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