02 de agosto | 2015

Tem defunto batendo prego no caixão?

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Willian Zanolli

Às vezes, neste período de cismas e terremotos, fico a imaginar que pode haver defuntos batendo pregos no caixão para resistir à tentação de voltar à vida.

Nestes atropelos deste meu mundão de meu Deus, a caraminhola cheia de formigas lava pés mordendo por dentro e a febre terçã por fora divagando sobre o tempo ausente de muitos “ontens” mostrando que a vida é porto e cais inseguro, nau que se desatraca do ancoradouro e vai bater quilhas as pedras traiçoeiras dos costões.

Em noite de lua e pranto abro páginas de Guimarães e ouço Buarque enquanto rompo com o mundo e queimo meus navios.

Sim, por que viver é difícil demais, é bem mais que o simples se rasgar e remendar, Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato… 

Por que senão, se o assim não fosse que seria da propaganda, das promessas de aventura que às vezes até os cigarros de terceira, as cervejas de má qualidade oferecem aos mortais que rondam o fundo do quintal como se fossem Marco Polo escarafunchando o chão e o céu da China, ou o grande Alexandre estendendo suas aventuras e territórios para além de muitos países?

Me encontrou tão desarmado, que arranhou meu coração, mas não me entregava nada, assustado, eu disse não.

Em um dia qualquer de um ano que poderia ser qualquer um como tantos que entraram e se foram pelo mundo afora arrastando histórias, fantasias e lendas de tanta gente que viajou na rabeira deste trem imenso cuja estrada sempre acaba com sabor amargamente adocicado de vinagreiras, amanheci e fui vagarosamente caminhando na direção do lusco fusco curtindo as luzes dos dias ensolarados, as neblinas das noites frias que o inverno das gentes propicia ao inverno das nossas almas, me aqueci em alguns verões, me deliciei com alguma primaveras e adormeci sonhos em alguns outonos.

Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou. Viver bem não é muito perigoso? 

São coisas que a gente, toda gente, tem guardado em si e que vai se amontoando como se fora um organizado lixão de espíritos que nos rondam neste caminhar de dia a dia na direção do nada, de coisa alguma, céus, infernos, purgatórios, e que vão se reciclando na memória, no resgate dos esquecimentos, nos parágrafos dos livros, na mensagem das canções.

O senhor… Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor. Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre.

E foram correnteza abaixo, rolando no leito, engolindo água
Boiando com as algas, arrastando folhas, carregando flores, e a se desmanchar
E foram virando peixes, virando conchas, virando seixos, virando areia, prateada areia, com lua cheia, e à beira-mar.

Haverá este momento traiçoeiro, ou feliz, dependendo de como iremos nos encontrar com a face do que chamam de destino, se nossos sonhos estiverem sendo embalados pela frequência da esperança e desejoso de queimar chinelas e alpercatas, indignados, inconformados, entristecidos cerraremos os olhos de olhar a terra.

Senão, contrário a isto, estivermos com as baterias arriadas, pouca luz, farol fraco de atravessar neblinas, canto rouco e voz estremecida, pernas bambas, sonolento de me deixar em redes, tristonho, cabisbaixo, sem desejo de viajar nas hipóteses de que amanhã pode ser de outras inspirações, de outra página de outro livro ou rima de uma nova canção, se soltaremos no ar como urubu planando nas correntes de ar quente em movimentos ascendentes e em espiral em largos círculos voaremos na direção do lugar algum.

Assim, de jeito tão desigual do comum, minha vida granjeava outros fortes significados. Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas. Ah, esta vida, às não vezes, é terrível bonita, horrorosamente, esta vida é grande. 

E muito maior será quando compreendermos o significado de estarmos na plateia assistindo o espetáculo que tem dia e hora indefinidos pra acabar, um dia termina o show, acabam aplausos e vaias, quem fez, fez, quem não fez não fará mais.   

Tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu.

A gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu.

A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda-viva …

E carrega o destino pra lá.

Por que escrevi isto entre um texto e outro de Rosa, uma e outra canção de Buarque? O passado mora em mim e veio cobrar a conta? Estarei saudosista do que fui?

Tem defunto batendo prego no caixão?

O senhor já sabe: viver é etecetera … 

 

Willian A. Zanolli é ar­­tista plástico, jornalista, estudante de Direito, pode ser lido no www.willianzanol­li.­blo­gs­pot.com e ouvido de segunda, quar­ta, quin­tas e sextas-feiras, das 11h30 às 13h­00 no jornal Cidade em Des­taque na Rádio Cidade FM 98.7 Mhz. E, aos do­min­­­gos, das 10h00 às 12h­00 no programa Sarau da Cidade.

 

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