19 de julho | 2021

Olímpia tem 70 “mulheres trans” que se drogam e se prostituem por viverem excluídas da sociedade

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Assista a entrevista completa exibida no Programa Cidade em Destaque a partir dos 20 minutos.

 

A triste realidade de quem é obrigada a viver totalmente excluída da sociedade. “Somos humanas, somos mulheres trans, somos bonitas e poderosas. Nunca desistir, nunca entrar no cominho das drogas (…). Espero que um dia a gente se abrace para comemorar que a gente conseguiu!”


Segundo Juliana Correia, mulher trans (pessoa que foi atribuída ao sexo ou gênero masculino ao nascer e que possui uma identidade de gênero feminina) nascida e criada em Olímpia, mas que viveu vários anos na Suíça, o município tem aproximadamente 70 mulheres na mesma condição que ela, mas totalmente excluídas da sociedade.

Por não terem como se sustentar, trabalhar como todos os outros seres humanos, por não terem oportunidades, acabam vivendo na prostituição, entram para o mundo das drogas e se perdem, se distanciam do que poderia ser considerada uma vida normal.

Juliana foi entrevistada pela rádio Cidade, no programa Cidade em Destaque, reforçando a importância do evento que aconteceu em Olímpia, durante toda a semana que passou, a Semana Virtual do Orgulho LGBTQIA+, promovida por Alex Correia e a vereadora Alessandra Bueno.

NÃO NASCERAM NEM HOMENS NEM MULHERES

Mulher trans, Juliana Correia contou para o repórter Silvio Facetto um pouco de sua vida, da sua luta para ajudar outros alijados da sociedade do mundo LGBTQIA+ e da situação humilhante que vivem aqueles que não nasceram nem homens e nem mulheres e vivem sem inserção em uma sociedade preconceituosa como a nossa. Um verdadeiro grito dos excluídos.

Juliana acredita que a situação estava melhorando, mas agora, com um governo totalmente preconceituoso, que deixa bem claro isso, embora tenhamos eleito deputadas e vereadoras trans em várias cidades, a situação está ficando difícil.

“Eu fui a primeira mulher trans em Olímpia a se candidatar a vereadora. Fiquei como segunda suplente. Foi uma votação que eu achei maravilhosa, mas sofremos muito preconceito em Olímpia, pode-se dizer que é uma cidade conservadora. Então temos muitas meninas ainda trans hoje em Olímpia, temos mais ou menos umas 70 que, em sua maioria vive em situação de exclusão”.

MENINAS SÃO EMPURRADAS PARA A PROSTITUIÇÃO

— As meninas são praticamente empurradas para a prostituição, porque é a única porta que se abre, porque se você bate numa porta de um supermercado, deixa o seu currículo, você nunca vai ser chamada. Você deixa nessas redes de lojas gigantescas, você nunca vai ser chamada. E tudo isso que acontece com a gente, a prostituição, com várias meninas assassinadas, com várias meninas cujo o crime nunca é descoberto, é culpa da sociedade, tanto olimpiense como do Brasil.

— Eu sofri vários preconceitos. Uma mulher trans, negra e nascida no Pedregal (Santa Ifigênia), que na época era Pedregal, então isso atrapalha a vida das meninas trans, elas se encontram perdidas nas drogas, perdidas na prostituição, não tem uma porta de trabalho honesta, que ela possa trabalhar, para que elas possam se sentir como uma pessoa normal como você, como todo mundo, ser inserida na sociedade, mas não escondida, só limpando banheiro, não escondida, só limpando quintal do fundo.

QUEREMOS SER RECONHECIDAS NÃO

COMO MULHER MAS COMO MULHER TRANS

— Nós, trans, queremos ser reconhecidas não como mulher, mas como mulher trans, para a gente ter um trabalho honesto, a cada dia mais ser vistas no meio da população, porque raramente você vê uma trans circulando. Mas a gente tem sentimentos e nós vemos que somos diferentes, isso porque eu sabia que eu era diferente do Silvio, do Rogério, só que eu não queria ser mulher e nem homem e isso causa um distúrbio na cabeça da gente que chega uma hora que você se encontra vagando, e te abre a prostituição, a droga.

— Uma menina de Olímpia que é uma trans, usuária de droga, fez uma operação e a gente estava tentando interná-la, e por ser trans a gente não conseguiu uma vaga. Conseguimos uma vaga em Santa Fé do Sul, mas depois de 15 dias a gente não achou mais a menina. Não conseguimos internar ela, infelizmente.

— Nós pagamos impostos, nós gastamos também no comércio. Eu me sinto na pele delas, porque hoje eu tenho a minha vida, sou casada, mas eu sofri muito, tenho 44 anos e sofri muito e ainda sofro alguns preconceitos. Eu falo nós, porque eu sou uma mulher trans, a dor delas é a minha dor. Eu peço encarecidamente, principalmente para a população olimpiense, dá uma chance para essas meninas, insiram elas no comércio, nas lojas, nesses hotéis gigantescos, mas insiram elas como pessoas, não jogar ela dentro de um banheiro, dentro uma lavanderia, são trabalhos dignos, mas o que nos resta é só isso. Fazer faxina, limpar o quintal no fundo, aí a gente se sente menor ainda.

HOJE VOCÊ VÊ SENHORAS TRANS SE PROSTITUINDO

— Hoje temos meninas que trabalham na roça, temos senhoras idosas trans que não tem nenhum apoio da sociedade e não conseguiram nem aposentadoria. Mulheres trans, senhoras que são referência minha, que não são reconhecidas pela sociedade. Você olha na avenida e você vê senhoras trans se prostituindo, não temos opção.

— O que você gostaria que acontecesse daqui para frente?

— Ser reconhecidas. Que todos os empresários olimpienses, ou do Brasil dessem uma chance para essas meninas, reconheçam elas como ser humano.

— A gente não consegue concluir a escola. Porque quando a gente é pequena, a gente é diferente. Então você é excluída pelas meninas, você é excluída pelos meninos, excluída pelos professores. Sempre existiu esses preconceitos até mesmo nas escolas, muitas trans hoje são analfabetas.

HOJE, GRAÇAS A DEUS, SOU CASADA,
CONSEGUI TROCAR MEUS NOMES

— Eu morei na Suíça, a educação lá é outra. País de primeiro mundo. Hoje, graças a Deus, sou casada, tenho o meu esposo, consegui trocar todos os meus nomes. Sou mulher nos documentos, tenho o sobrenome do meu esposo.

— Graças a Deus também, eu fui a primeira mulher trans a trabalhar na prefeitura de Olímpia, me envolvi no meio de crianças, e muita gente da sociedade vê que a gente pode estar no meio. Porque a gente não precisa estar só nas esquinas, na internet. A gente pode circular livremente entre as crianças, entre os adolescente e adultos.

— Todo o movimento que eu fazer é para ajudar essas meninas, porque elas vivem o que eu vivi. Hoje elas têm vícios de drogas, depressão, se excluem da sociedade, violência, até dos parceiros porque muitos homens aproveitam para aproximar da gente para poder algum benefício.

SOMOS HUMANAS, SOMOS MULHERES TRANS,

SOMOS BONITAS E PODEROSAS

A gente tentou trazer uma associação para Olímpia, que era uma associação que foi uma das pioneiras. Trouxemos Museu da Diversidade de São Paulo, palestrantes, mas não tivemos tanto apoio.

— Que mensagem você deixaria para essas meninas?

— Que elas lutem constantemente, que elas se cuidem. Somos humanas, somos mulheres trans, somos bonitas e poderosas. Nunca desistir, nunca entrar no cominho das drogas. Lute até o final que a gente consegue. Com muitas lágrimas, com muitas perdas, mas a gente consegue. Espero que um dia a gente se abrace para comemorar que a gente conseguiu!

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