30 de junho | 2013

Como, quando e onde nasceu o Movimento Passe Livre

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Do Conselho Editorial

Diante das manifestações que tomaram conta do país e colocou o Brasil em destaque nas principais capas de jornais do mundo inteiro, razoável que os eleitores tomem conhecimento da natureza histórica deste movimento.   

Muita gente sabe que inicialmente a juventude, através de chamamento nas redes sociais pelo MPL – Movimento do Passe Livre, foram às ruas discutir o aumento das tarifas do transporte coletivo nas grandes capitais.

Inicialmente foram reprimidos e tachados de baderneiros, depois motivações políticas e interesses midiáticos incorporaram outras bandeiras ao movimento que visava, inicialmente, discutir mobilidade e transporte público.

A ex prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, discutiu o passe livre no transporte público quando foi prefeita de São Paulo, entre 1989 e 1992.

A primeira idéia de tarifa zero foi apresentada no seu governo e não se viabilizou porque não tinha maioria na Câmara dos Vereadores, a proposta nem sequer foi discutida pelos vereadores.

Não bastasse, houve ouve também campanha contrária da mídia, porque a implantação da tarifa zero implicaria em aumento do IPTU nos imóveis de maior valor.

 Foi uma campanha pesada, que aos moldes da que está hoje nas ruas pedindo impechmeant da presidenta, pedia a cassação da ex-prefeita por querer instituir o IPTU progressivo, que incidia sobre propriedade e seria progressivo, porque cobraria mais dos grandes imóveis, como shoppings, supermercados e terrenos destinados à especulação imobiliária, os imóveis de até 60 m² estariam isentos, enquanto os imóveis maiores teriam alíquota maior. O PT, partido da ex prefeita na época, apoiou a iniciativa.

A idéia nunca morreu. Em 2005 um grupo de jovens começou a querer conhecer melhor a proposta, em 2011, houve uma forte mobilização do Movimento Passe Livre em São Paulo, que foi crescendo e culminou no grito das ruas que ao que tudo indica começou a mudar paradigmas da política brasileira.

Justamente porque uma nova possibilidade política está aberta, algumas observações merecem ser feitas para, de acordo com a filósofa Marilena Chauí, estar alertas aos riscos de apropriação e destruição dessa possibilidade pela direita conservadora e reacionária.

A começar, segundo ela, por uma obviedade: como as manifestações são de massa (de juventude, como propaga a mídia) e não aparecem em sua determinação de classe social, que, entretanto, é clara na composição social das manifestações das periferias paulistanas, é preciso lembrar que uma parte dos manifestantes não vive nas periferias das cidades, não experimenta a violência do cotidiano experimentada pela outra parte dos manifestantes.

Com isso, pode se fazer, segundo o raciocínio da filósofa, algumas indagações.

Por exemplo: os jovens manifestantes de classe média que vive nos condomínios têm idéia de que suas famílias também são responsáveis pelo inferno urbano (o aumento da densidade demográfica dos bairros e a expulsão dos moradores populares para as periferias distantes e carentes)? Os jovens manifestantes de classe média que, no dia em que fizeram 18 anos, ganharam de presente um automóvel (ou estão na expectativa do presente quando completarem essa idade), têm idéia de que também são responsáveis pelo inferno urbano? Não é paradoxal, então, que se ponham a lutar contra aquilo que é resultado de sua própria ação (isto é, de suas famílias), mas atribuindo tudo isso à política corrupta, como é típico da classe média?

Essas indagações não são gratuitas nem expressão de má-vontade a respeito das manifestações de 2013. Elas têm um motivo político e um lastro histórico.

Motivo político: foi assinalado anteriormente o risco de apropriação das manifestações rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. Só será possível evitar esse risco se os jovens manifestantes levarem em conta algumas perguntas:

1. Estão dispostos a lutar contra as ações que causam o inferno urbano e, portanto, enfrentar pra valer o poder do capital de montadoras, empreiteiras e cartéis de transporte que, como todo mundo, sabem não se relaciona  pacificamente (para dizer o mínimo) com demandas sociais?

2. Estão dispostos a abandonar a suposição de que a política se faz magicamente sem mediações institucionais?

3. Estão dispostos a se engajar na luta pela reforma política, a fim de inventar uma nova política, libertária, democrática, republicana, participativa?

4. Estão dispostos a não reduzir sua participação a um evento pontual e efêmero e a não se deixar seduzir pela imagem que deles querem produzir os meios de comunicação?

Lastro histórico: quando Luiza Erundina, partindo das demandas dos movimentos populares e dos compromissos com a justiça social, propôs a Tarifa Zero para o transporte público de São Paulo, ela explicou à sociedade que a tarifa precisava ser subsidiada pela Prefeitura e que ela não faria o subsídio implicar em cortes nos orçamentos de educação, saúde, moradia e assistência social, isto é, dos programas sociais prioritários de seu governo.

Antes de propor a Tarifa Zero, ela aumentou em 500% a frota da CMTC (explicação para os jovens: CMTC era a antiga empresa municipal de transporte) e forçou os empresários privados a renovar sua frota.

Depois disso, em inúmeras audiências públicas, ela apresentou todos os dados e planilhas da CMTC e obrigou os empresários das companhias privadas de transporte coletivo a fazer o mesmo, de maneira que a sociedade ficou plenamente informada quanto aos recursos que seriam necessários para o subsídio.

Ela propôs, então, que o subsídio viesse de uma mudança tributária: o IPTU progressivo, isto é, o imposto predial seria aumentado para os imóveis dos mais ricos, que contribuiriam para o subsídio juntamente com outros recursos da Prefeitura. Na medida que os mais ricos, como pessoas privadas, têm serviçais domésticos que usam o transporte público, e, como empresários, têm funcionários usuários desse mesmo transporte, uma forma de realizar a transferência de renda, que é base da justiça social, seria exatamente fazer com que uma parte do subsídio viesse do novo IPTU.

Os jovens manifestantes de hoje desconhecem o que se passou: comerciantes fecharam ruas inteiras, empresários ameaçaram lockout das empresas, nos “bairros nobres” foram feitas  manifestações contra o “totalitarismo comunista” da prefeita e os poderosos da cidade “negociaram” com os vereadores a não aprovação do projeto de lei.

A Tarifa Zero não foi implantada. Discutida na forma de democracia participativa, apresentada com lisura e ética política, sem qualquer mancha possível de corrupção, a proposta foi rejeitada.

Esse lastro histórico mostra o limite do pensamento mágico, pois não basta ausência de corrupção, como imaginam os manifestantes, para que tudo aconteça imediatamente da melhor maneira e como se deseja.

 

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