23 de dezembro | 2020

Se eu tivesse sido vacinado não seria paralítico

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“O objetivo é demonstrar que se houvesse a vacina
, como meu pai não era um xucro, nem minha
mãe uma toupeira, eu teria sido vacinado
e a possibilidade de ser paralitico por
conta da poliomielite seria
zero ou reduzida”.

Willian A. Zanolli

Nestes tempos bicudos de negação da ciência, entendo como importante que pessoas deem seus depoimentos pessoais sobre situações que vivenciaram e que não contaram com recursos para ser socorridos à época.

É meu caso. Aí me insiro.

Garotos, eu e meu irmão Celso, fomos acometidos por poliomielite que deixou sequelas na nossa vida.

Eu fui mais atingido, embora meu irmão tenha tido problemas de menor monta, mesmo assim era perceptível a dificuldade no andar e mesmo o formato de seus pés denunciava uma atrofia.

No meu caso específico as sequelas foram maiores e tenho o lado direito meio paralisado.

É comum que pessoas da minha relação atribuam à ressaca o fato de copos e xícaras tremerem em minhas mãos e eu ter de explicar que o fato se deve ao uso da mão direita, cujo lado sofreu a consequên­cia da paralisia infantil.

Antes bebesse o tanto que me atribuem.

O buraco é mais embaixo, por sinal na parte debaixo é que o estrago se demonstra com mais facilidade: a perna direita é mais fina que a es­quer­da e, na infância, o tamanho de uma perna tinha uma diferença significativa da outra.

Se me perguntavam se tinha uma perna mais curta que a outra, eu dizia que tinha complexo de superioridade e por isto achava que tinha uma mais comprida que a outra.

Brincadeiras a parte, porque o caso é sério, em razão da paralisia fui submetido a uma operação de estiramento de tendões e que deveria ser feita outra depois da fase de crescimento, que não ocorreu.

Em razão da operação, a diferença entre uma perna e outra hoje é mínima, quase imperceptível.

Devo isto ao ex-prefeito Wilquem Manoel Neves e seu irmão Carlito Neves, ambos falecidos.

Dr. Carlito era médico e, através de seu irmão Wil­quem, conseguiu que fosse realizada esta operação, uma das primeiras no gênero na América Latina.

Claro que minha mãe, Maria Silva, e meu pai, Fortunato Zanolli, fizeram das tripas coração para cuidar da minha saúde e da do meu falecido irmão Celso.

O título do texto foi pra chamar a atenção para o fato de que “negacio­nis­tas” estúpidos estão atuando para desacreditar a vacina contra o no­vo coro­navírus, ou Sars-CoV-2 o que é uma barbaridade, um crime.

Eu sei o que e eu e minha família passamos de dor e tristeza e passo até hoje porque não havia naquela época vacina contra a poliomielite.

Esta a razão porque não fui vacinado.

Vamos à história.

Nasci em 1951. Novas tec­no­logias surgiram no início da década de 1960 e começaram a ser aplicadas no controle da poliomielite, marcando o início do processo de mudança no curso da história do controle da doença no Brasil.

A vacina Sabin com boa eficácia, de fácil aplicação e de baixo custo, tornou-se disponível no mercado e técnicas laboratoriais de diagnóstico do poliovírus começaram a ser desenvolvidas.

Em 1971, o Ministério da Saúde instituiu o Plano Nacional de Controle da Poliomielite, face à ocorrência de repetidos surtos da doença em vários pontos do território nacional.

 As experiências anteriores de campanha contra a pólio, desde 1961, sofreram muita descontinui­dade.

Faltou um compromisso maior e mais amplo com a proposta de controle da poliomielite e, em 1971, ocorreu somente a experiência do Espírito Santo e em 1972 e 1973 o plano foi executado em 14 estados.

O impacto dessas campanhas na incidência da doença foi muito difícil de medir, porque não se tinha dados epi­demiológicos prévios no país.

Em 1974, ditadura militar, governo Geisel, assume Paulo de Almeida Machado como ministro da saúde e, com ele, um grupo de técnicos de São Paulo com forte influência da Faculdade de Saúde Pública da USP, que defendia tenazmente a atuação do centro de saúde, as ações de rotina, a educação sanitária e com isso foi abandonada a estratégia de campanha, adotando-se a vacinação de rotina através da rede básica de saúde.

A análise dos dados disponíveis demonstrou que a vacinação realizada nos últimos anos, através da rede de serviços básicos de saúde, era insuficiente para promover o controle da poliomielite, tendo ocorrido várias epidemias em diversos estados nesse período, totalizando, só no ano de 1975, 3.400 casos.

Dada a gravidade do problema no Brasil, reconhecido inclusive pela Organização Mundial de Saúde (OMS), somada à repercussão nacional das epidemias que eclodiram no sul do país em dezembro de 1979, o recém empossado ministro da Saúde Waldir Arco­ver­de tomou a iniciativa de enfrentar decididamente a questão da poliomielite no Brasil.

Ao assumir o Ministério da Saúde, no primeiro ano de governo do presidente João Baptista Figueiredo, Waldir Arcoverde, sanitarista com experiência no Rio Grande do Sul, compôs sua equipe com profissionais que tivessem liderança política bem como qualificação técnica para enfrentar com competência os problemas na área.

 A nova equipe do Ministério da Saúde logo se deparou com importante epidemia de poliomielite no Paraná e em Santa Cata­rina, estados que man­tinham um nível de vacinação bastante razoável.

O secretário de saúde do Paraná, Oscar Alves, denunciou na televisão a existência da epidemia, o que produziu uma grande repercussão nacional em fins de 1979 e início de 1980.

Tão logo foi definida a estratégia, iniciaram-se as negociações em busca de apoio político e técnico (Brasil, Câmara dos Deputados, 1980).

O ministério convidou Albert Sabin para assessorar a equipe no aprimoramento do modelo de intervenção.

Criou-se uma polêmica entre Sabin e o ministro da saúde por discordarem quanto à necessidade de dados sobre a incidência de poliomielite, fiéis à realidade, para se definir uma estratégia de controle da doença.

Sabin saiu de Brasília “sem se despedir da equipe” e foi para o Rio de Janeiro, de on­de atacou o ministro Arco­verde, através da imprensa.

Em carta ao presidente da República, Sabin defendia a exatidão dos dados estatísticos, considerando que, “assim como em operações militares, informes inexatos sobre inimigos podem levar a desastres, o mesmo ocorre quando se trata de combater uma doença epidêmica”.

O ministro considerou que o “caso Sabin alertou o povo” e contribuiu para criar uma consciência social sobre o problema da poliomielite paralítica e sobre a necessidade da vacinação em massa.

Nesse caso, não só o povo, como disse Arco­ver­de, mas também grande parte da comunidade científica que, no final, se viu ferida em seus brios com as críticas de Sabin, acabou apoiando o programa do governo para o controle da poliomielite, configurado nos Dias Nacionais de Vacinação (DNV).

Sem dúvida, houve quem se posicionasse contra essa proposta.

Material extraído do XXII Simpósio Nacional de História. Simpósio Temá­tico História das Ideias e das Práticas sobre Saúde e Doenças Poliomielite: uma doença erradi­ca­da, Dilene Raimundo do Nascimento (Fiocruz).

Bom, como bem puderam observar desde antes da revolta da vacina, que ocorreu em meados de 1904, que tanto o povo quanto as autoridades, por desconhecimento, recusam tratamento científico a epidemias e sofrem econômica, física e espiritualmente por esta recusa sem justificativa racional.

 Se a justificativa nas camadas populares em 1904 era que a vacina contra varíola era que a mesma consistia no líquido de pús­tu­las de vacas doentes agora é por que vai ter chip, produzir câncer e transmitir HIV.

Pelo menos a “desculpa”, a motivação de 116 anos atrás, que achava estranho ser inoculado com pústula de vaca doente, embora não fizesse sentido, como se comprovou, era mais razoável que as de agora.

Sem contar o nível de analfabetismo do período, inexistência do Google, Facebook, WatsApp e outras alienantes formas de desinformação.

O ser humano tem mais informação e parece que opta por se tornar cada dia mais alienado.

Enfim e por fim, contei por que arrasto esta perna, meus conflitos, minha dor, dor que não sai no jornal.

Mostrei que militares no poder costumam complicar mais que solucionar, pela formação muito pobre e conservadora dos quartéis.

 O objetivo é demonstrar que se houvesse a vacina, como meu pai não era um xucro, nem minha mãe uma toupeira, eu teria sido vacinado e a possibilidade de ser paralitico por conta da poliomielite seria zero ou “reduzida”.

 A diferença é que a Co­vid, em termos per­cen­tuais, mata mais que a poliomielite e suas sequelas podem ser mais graves e a vacina em breve estará ai pra todos.

Neguem tudo, mas não neguem a vida.

Arrastando uma perna e tendo dificuldades em um braço fui muito feliz pela vida afora, tenho certeza de que morto não conseguiria.

Pensem nisto.

Bom Natal.

Willian A. Zanolli é advogado, jornalista e artista plástico.

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