05 de julho | 2015

Um vídeo e a possível truculência covarde de membros da PM local

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Do Conselho Editorial

Circulou pelas redes sociais um vídeo de algumas garotas que jogaram ovos na viatura policial.

O bloqueiro Leonardo Concon postou este vídeo em sua página.

Vale salientar que o mesmo já circulava nos celulares e causava certo frisson.

As meninas, ao que tudo indica, em uma faixa média entre os quinze e dezoitos anos, pelo que se presume, após jogarem ovos na viatura estacionada em frente a delegacia de policia de Olímpia foram pegas, até onde se pode entender, por policiais, possivelmente militares e sob coação, ao que tudo indica, foram reprimidas e constrangidas pelos homens da lei que gravaram a ação de “justiçamento”.

O vídeo compartilhado por Le­onardo Concon, em sua página no Facebook, segundo o que consta no site de relacionamentos, teve por origem uma página de­nominada “Nasci pra se polícia”.

As crianças no vídeo aparecem sentadas no chão, encostadas em uma parede, como se estivessem detidas na delegacia local e sendo oprimidas por possíveis policiais que as obrigavam a falar e recriminar seus próprios atos.

Sem nenhuma sombra de dúvidas os que deveriam representar a lei se colocavam acima dela e exerciam a autotutela, expondo publicamente crianças ao ridículo, demonstrando através da violência que elas estariam pagando pelo ato que praticaram contra a viatura.

Para que se compreenda o absurdo da situação se faz necessário explicitar que a autotutela faz parte de um dos três métodos de solução de conflitos, junto com a autocomposição e a jurisdição.

A composição como o próprio nome diz é quando as partes chegam a um consenso e não continuam a demanda.

Jurisdição, como o próprio nome deixa entendido é quando o estado é chamado a intervir em um conflito pra dizer o direito que cada um tem.

Para que o caso em tela seguisse este método, as meninas seriam apresentadas ao Conselho Tutelar, que conduziria o caso ao Ministério Público, que avaliaria a conduta e dependendo da gravidade encaminharia à análise do Judiciário.

No entanto, os policiais, que têm, no que toca as suas funções, o dever de cumprir a parte que lhes cabe neste rito, optaram pela autotutela que é a mais primitiva das soluções de conflitos, que nasceu com os homens na disputa dos bens necessários à sua sobrevivência, representando a prevalência do mais forte sobre o mais frágil.

 A evolução da sociedade e a organização do Estado foi expurgando da ordem jurídica esta monstruosidade por representar sempre um grande perigo para a paz social.

Há exceções em que a autotutela é admitida quando se trata de direitos que estão sendo violados.

O absurdo da autotutela, em síntese, se caracteriza exatamente pelo que ocorreu no episódio que envolve estas meninas, a ausência de um julgador distinto das partes e a imposição da decisão de uma parte, no caso o mais forte, em detrimento da outra, as meninas.

Necessário lembrar que no direito moderno, o exercício da autotutela para satisfazer uma pretensão, embora legitima, salvo quando autorizado por lei, constitui crime e está sujeito a sanção legal.

Deduz-se daí que os nossos “heróicos” em farda, se foram eles, como se deduz, que fazem uso do arbítrio e da força para expor menores através do constrangimento de forma abominável, cruel e covarde, correm o risco de responderem pelos seus atos nada condizentes nem com suas funções nem com a pretensa legalidade que alguns desinformados que vivem no tempo das cavernas tentam impor goela abaixo para justificar ações em nada condizentes com o nosso ordenamento jurídico.

A lei, em que pese desejos pessoais dos pessimamente ilustrados que defendem métodos arcaicos e ditatoriais, sempre é feita a partir de anseios da sociedade e não pode, de forma alguma, ser transgredida pelos que têm o dever de zelar pelo seu cumprimento.

De nada vale o apoio incondicional, o aparato truculento que se monta nas redes sociais tentando intimidar quem se posiciona contra esta abominável demonstração de injustiça e não a favor do gesto das meninas, que é por si só condenável, mas diante das circunstâncias de ilegitimidade em que os fatos ocorreram, é nisto que o julgador, se houver, irá pautar seu julgamento futuro.

As indicativas e o vídeo apontam para excessos e abusos covardemente cometidos no “justiçamento” promovido pelos policiais contra as jovens que são identificadas no vídeo, os direitos das adolescentes à in­violabilidade de imagem e a privacidade, previstos no artigo 5º, incisos V a X da Constituição Federal; e do artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

– X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

– Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, a­bran­­gendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.    

Nota-se que na página “Nasci pra ser policia” quase duzentos e cinquenta mil internautas aces­saram as imagens.

 A ação dos intrépidos policiais militares justiceiros de crian­cinhas que jogam ovos em viatura aponta para uma prática abominável e bárbara nada condizente com o Estado Democrático de Direito, já que abomina o direito de defesa, o contraditório, e a sentença é proferida por fardados que gostariam de ser juízes mas não são.

São policiais totalmente despreparados para o cargo, que possivelmente, como inúmeros de seus fãs de cabecinhas ocas ocupadas pelo vento malcheiroso da truculência, devem ao que tudo indica, pela sinalização e reação esboçada após matéria deste jornal, entender que agiram de forma certa, adequada e dentro da legalidade.

Estimulam o ódio coletivo com suas ações de “justiçamento” que de certa forma mostra a sociedade uma ideia de que fora a ação pessoal deles não haverá punição alguma às meninas, devido a leniência do ECA e a ausência do Estado que representam de forma horrorosa quando substituem a tutela jurisdicional do Estado pela justiça feita pelas próprias mãos. Os fatos imputados as meninas, jogar ovos na viatura, nem de longe representa um mínimo das ações violentas que o Estado deveria atuar para que não ocorresse, a desproporcional ação truculenta dos policiais militares é simplesmente ridícula e deveria, diante do quadro de verdadeira violência que se registra no país, e na cidade,  envergonhar a farda e a instituição a que pertencem.

A violação de direitos, e jogar ovos em viatura, não parece algo que possa tirar a vida de alguém, não parece algo tão violento assim, mesmo que fosse gravíssima não autoriza a violação de nenhum outro direito por se viver em um Estado Democrático de Direito, que não pode pautar pela violência e pela vingança e, com certeza, não pode aceitar atos de tortura emocional, humilhação, exposição ao ridículo, agressão em nome de uma justiça que pode trazer de volta a barbárie.

 

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